O deputado Severino Cavalcanti (PP-PE) pretende anunciar até terça-feira que vem a decisão de renunciar ao mandato parlamentar e, conseqüentemente, deixar de ser presidente da Câmara. Pelo menos foi o que revelou quinta-feira a líderes e dirigentes partidários que o visitaram na residência oficial, onde está confinado desde a revelação de que sua secretária sacou um cheque da conta do empresário Sebastião Buani.
Severino disse que estava disposto a defender sua honra até as últimas conseqüências, não se importando com a possibilidade de ser cassado e perder os direitos políticos por oito anos, mas, diante dos apelos principalmente de seus eleitores, viu-se obrigado a trabalhar com a possibilidade da renúncia para tentar recuperar seu mandato em 2006.
Severino informou que pretende refletir melhor sobre a decisão no fim de semana, ouvindo amigos e correligionários e examinando as opções jurídicas. Ele deverá fazer, antes, sua defesa da tribuna da Câmara, mas já sem esperança de sensibilizar seus pares, uma vez que se considera vítima de uma disputa de poder.
Visivelmente abatido, o presidente da Câmara alterna momentos de tranqüilidade e de insegurança. Ora acha que a renúncia levará a opinião pública a pensar que ele realmente é culpado e a descarta. Mas depois reconhece que ela seria a decisão mais racional face ao julgamento político a que diz estar sendo submetido.
As mesmas insegurança e indefinição foram demonstradas por ele na entrevista ao blog do Moreno, do Globo Online, na qual, ressaltando ter o apoio da maioria contra sua cassação, ponderou que talvez não seja justo exigir esse sacrifício de seus colegas. Os principais trechos da entrevista:
RENÚNCIA: "Hoje, hoje, eu digo: não renuncio, vou lutar pelo meu mandato até o fim. Se eu enfrentar o processo de cassação, ganho no plenário. Tem gente que acha que não devo correr esse risco e que o melhor é eu disputar novas eleições no ano que vem. Mas repito: mesmo se estivesse sozinho, abandonado, coisa que não estou, iria enfrentar tudo isso. Se dependesse de mim, teria ido ontem presidir a sessão da cassação de Roberto Jefferson. Mas tenho que ouvir outras pessoas, minha família, amigos, assessores, advogados e, principalmente, meus eleitores. Em João Alfredo, a Igreja Católica e as igrejas evangélicas se uniram em preces por mim. Deus me iluminará. Estou passando por um tipo de provação. Alguma coisa eu fiz para passar por isso".
FUTURO: "Poderei ter mais alguns anos de vida pública. Se eu me reeleger, volto para a Mesa? Acho que não. Passei todos esses anos na Mesa. Como primeiro-secretário, segundo vice-presidente, corregedor, sempre tive mais votos que os presidentes da Câmara. Se eu enfrentar a cassação, terei muitos votos. Mas não sei se devo exigir esse sacrifício dos meus amigos. Não sei se devo correr este risco. O diacho é que, se eu renunciar, vão dizer que estou confessando uma culpa que não tenho. Quero ter a oportunidade de provar minha inocência. Mas há gente querendo que eu me eleja de novo para dar uma surra no Roberto Freire e no Raul Jungmann".
BUANI: "Ontem (anteontem), por volta das nove e meia, um amigo do Buani e conhecido meu me ligou tentando intermediar uma conversa. Recusei. A imprensa não está mostrando as contradições do Buani. Primeiro ele diz que esse tal de mensalinho começou em 2003. Depois, descobre um cheque de julho de 2002 de R$ 7.500. Só aí se dá conta que o tal do mensalinho começou antes. Como pode um homem que se diz apertado, endividado, se esquecer que deu um cheque desse valor? Esse valor foi de empréstimo a juros. Todo mundo lá em Pernambuco, principalmente em João Alfredo, sabe que levo uma vida difícil e que vivo tomando dinheiro emprestado a juros. Ainda devo a um cara lá de Recife. Em 2002, Junior, meu filho, veio para Brasília em 28 de julho imprimir material campanha e voltou no dia 31. Tenho recibos das passsagens. Ele deve ter tomado emprestado esse dinheiro para pagar o material de campanha. Eu não sabia desse cheque, mas assumo o que meu filho fez".
MOTIVAÇÕES: "Estou sendo vítima de uma disputa de poder. Tudo começou por causa daquela minha entrevista à 'Folha de S.Paulo', quando tive a coragem de dizer o que achava, defendendo punições diferenciadas. O que falei lá agora está sendo repetido pelos relatores. Foi o mote para que voltassem os olhos contra mim. Aí teve aquele aparte do Gabeira. Se tenho raiva do Gabeira? Não, ele cumpriu seu papel de oposição à minha administração. A disputa de poder é tão evidente que as articulações primeiras foram para ver quem ia me substituir. Aí começaram até a brigar. Há muito interesse contrariado. Queriam me impor um contrato com Marcos Valério. Eu recusei. Queriam botar gente para fazer marketing aqui dentro com salário de R$ 30 mil que não seria pago pela Câmara. Eu recusei. Comecei contrariando forças terríveis. Com isso, já economizei quase R$ 200 milhões para a Câmara, para o contribuinte. Basta ver o apartamento em que moro em Recife, que nem meu é. É da minha filha. A imprensa deveria vasculhar meu patrimônio e mostrar para a opinião pública. Aí veriam que não tenho nada. Sou um homem de dívidas, um devedor. Se eu estivesse em qualquer esquema, não vivia aí tomando dinheiro emprestado. Então, não estou no tal do mensalinho nem no mensalão e nem em esquema algum. Por isso é que penso: se renunciar, vão dizer que eu era culpado. Mas se eu me defender, provar minha inocência e me cassarem, o povo vai ver que é uma cassação política. Lá em João Alfredo, quando viu o cheque com o desconto de juros no verso, a população logo entendeu que aquilo não era propina. Eu só não falei antes porque não sabia, desconhecia esse cheque. Meu filho é que cuidava das finanças. Ele fez empréstimos para as nossas campanhas".
ALGOZES: "Eu sinceramente não sei que forças, além do PFL e do PSDB, estão por trás disso. Sei que meus algozes principais não têm moral para pedir minha cassação. Vejam o Roberto Freire. O PPS recebeu R$ 300 mil de Marcos Valério para a campanha do Ciro Gomes. Quem era responsável? O presidente do PPS, Roberto Freire. O PP vai entrar com representação contra ele pedindo sua cassação. E o Jungmann? Um dos principais doadores dele é uma empresa que prestava serviço para o ministério dele quando ele foi ministro. Ele deveria se sentir constrangido com isso. Se fosse esse vestal todo, teria recusado alegando que não seria ético. Mas eles são oposição a mim, então podem fazer esse jogo. Tem uma frase do doutor Ulysses sobre ingratidão que se aplica muito a um outro. Toda hora está aí na TV o Severiano Alves (PDT-BA) exigindo minha cassação. Esse homem vivia no meu gabinete. Chegou aqui endividado de campanha. Eu o ajudei. Procurei a direção de um banco particular e pedi empréstimo para ele. O banco não podia fazer isso. Tiveram que modificar as normas. Por isso é que ele está aí, agora mais calmo, pedindo a minha cassação. Nestas horas é que a gente vê como são as pessoas. Veja o caso do Dornelles. Este homem não deve nada a mim, mas está tendo a dignidade de vir à minha casa. Poderia até ser bom para ele ficar longe do Severino agora. Eu não poderia nem me queixar dele. Mas não. É um homem digno. Tenho recebido solidariedade de muita gente. O governador Aécio Neves me telefonou, quis saber o que estava acontecendo. Foi gentil. Também não me deve nada. São essas pessoas que aparecem nessas horas. E ainda vem o Pedro Corrêa (presidente do PP) dizer que caiu na casca de banana dos repórteres e, por isso, defendeu minha renúncia. Vou acreditar nisso? Vou acreditar que um homem com a sua experiência tropece em entrevista? Deveria assumir que pediu".