Enquanto a presidente Dilma Rousseff enfrenta no Congresso Nacional o processo de impeachment, com o risco de ser afastada do Palácio do Planalto, o presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), continuará exercendo o cargo, por tempo indeterminado. No que depender do Supremo Tribunal Federal (STF), o pedido de afastamento de Cunha ajuizado pela Procuradoria Geral da República não será julgado tão cedo. Isso porque os ministros não se convenceram de que existe um motivo jurídico forte o suficiente para tirá-lo da cadeira. Adiar a análise do caso foi a solução encontrada para não precisar declarar oficialmente que Cunha pode permanecer no cargo. Uma decisão desse tipo daria ainda mais poderes ao parlamentar nesse momento de crise e isso o tribunal quer evitar.
Em conversas reservadas, ministros do STF declaram estar convencidos de que Cunha utiliza o cargo para se beneficiar no processo que corre contra ele no Conselho de Ética da Câmara, para tentar prejudicar Dilma no pedido de impeachment e também para ameaçar adversários. Entretanto, esse motivo não teria respaldo em lei para justificar que ele seja afastado do cargo. No tribunal, o entendimento é pacífico de que um parlamentar só pode deixar o mandato em caso de condenação judicial. Ainda assim, essa determinação cabe à Câmara, e não ao Judiciário. Cunha responde a uma ação penal e a dois inquéritos no STF. Não há previsão para o julgamento final.
No pedido para afastar Cunha do cargo e do mandato de deputado, o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, também argumentou que o presidente da Câmara não poderia permanecer na linha sucessória da Presidência da República. É ele quem assume o posto em caso de afastamento ou ausência da presidente Dilma e do vice, Michel Temer. A Constituição Federal diz que o presidente da República não pode exercer o cargo caso responda a processo no STF. Cunha não preenche esse pré-requisito: ele é réu no tribunal por corrupção passiva e lavagem de dinheiro.
Esse argumento parece ter mais força, ao menos para o ministro Gilmar Mendes. Na segunda-feira, em entrevista ao programa Roda Viva, da TV Cultura, Gilmar disse que o motivo é “plausível”.
“A Constituição diz que, se for recebida a denúncia contra o presidente da República, ou uma queixa-crime, ele deve ficar afastado do cargo por 180 dias, uma regra equivalente à regra do impeachment. Eles (juristas) estão dizendo que também o seu substituto não poderia estar a exercer cargo se teve uma denúncia contra si recebida, o que é um argumento plausível. Poderia ser aplicado ao presidente da Câmara”, declarou o ministro.
A regra não valeria para o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), que também está na linha sucessória da Presidência da República, depois de Cunha. Isso porque Renan responde a inquéritos no STF. Ainda não houve recebimento de denúncia contra ele. Portanto, nenhuma investigação é ação penal.
O pedido de Janot para afastar Cunha de suas atividades chegou ao STF em dezembro do ano passado. Em tese, o caso já estaria pronto para ser julgado, porque a defesa do parlamentar já foi apresentada oficialmente.
O ministro Teori Zavascki, relator do pedido da PGR e também dos inquéritos na Lava Jato, não tem previsão de quando vai liberar o caso para o julgamento em plenário. A interlocutores, ele tem dito que não quer levar o caso ao plenário antes de o impeachment da presidente ser resolvido, para não embaralhar ainda mais o jogo político. A tendência de manter Cunha no cargo também sujaria a imagem no tribunal perante a sociedade, o que é uma preocupação entre os ministros.
No pedido de afastamento, Janot lista uma série de justificativas para tentar comprovar que Cunha usa o cargo em benefício próprio, para obstruir investigações e achacar adversários. O principal argumento são os requerimentos de investigação que aliados de Cunha apresentaram perante a Câmara. Em um deles, houve pedido para investigar operações do grupo Mitsui. O objetivo seria pressionar o lobista Júlio Camargo para retomar o pagamento de propina ao parlamentar. Cunha também teria ordenado a apresentação de requerimentos e convocações com o intuito de pressionar donos do grupo Schahin. A pressão teria favorecido o doleiro Lúcio Funaro, amigo de Cunha, em um negócio. Ainda segundo a PGR, Cunha teria obstruído a pauta em benefício próprio e ameaçado o deputado Fausto Pinato (PRB-SP), ex-relator do processo de cassação no Conselho de Ética da Câmara.