O Tribunal de Contas da União (TCU) concedeu um prazo de 30 dias para a presidente afastada Dilma Rousseff explicar 23 indícios de irregularidades nas contas de 2015. Entre esses indícios estão a repetição das “pedaladas” fiscais no ano passado; a edição de decretos de créditos suplementares e de medidas provisórias autorizando gastos extras sem aval do Congresso; o próprio pagamento de “pedaladas” realizado nos últimos dias do ano; e novas operações de crédito consideradas irregulares pelo tribunal
A concessão do prazo pelo plenário, que seguiu o voto do relator José Múcio Monteiro, repete o mesmo procedimento adotado no ano passado. Na ocasião, o TCU decidiu ouvir a defesa de Dilma antes de aprovar o parecer pela rejeição das contas de 2014 com base em 13 indícios de irregularidades listados. Agora, a tendência é mais uma vez o tribunal propor a rejeição das contas, o que só será decidido após a apresentação da defesa da presidente.
Múcio, ex-ministro do governo do presidente Lula, criticou em seu voto a condução da economia no primeiro ano do segundo mandato de Dilma: “O governo federal não logrou obter maior autoridade no gasto público, o que denota executar uma política anticíclica mais conservadora. A piora dos resultados fiscais põe em risco a economia. Essa degeneração das contas públicas deveria ter sido o foco da política econômica do governo. Muitos dos indícios de irregularidades repetem os dos anos anteriores”.
“Pedaladas” e decretos de créditos suplementares foram usados como argumentos no processo de impeachment da presidente, afastada do cargo desde 12 de maio. A conclusão do julgamento do impeachment no Congresso está prevista para agosto. No TCU, o julgamento do parecer sobre as contas de 2015 poderá ser finalizado em agosto ou setembro.
Mais um mês
Após os 30 dias dados à defesa, que caberá ao ex-advogado-geral da União José Eduardo Cardozo, a área técnica irá analisar as posições da presidente, o que pode consumir mais 30 dias. Depois, o relator apresenta a conclusão sobre a rejeição ou não das contas, para decisão do plenário. A palavra final é do Congresso.
Sobre os decretos de créditos editados antes da aprovação de nova meta fiscal, acusação que consome boa parte das discussões na Comissão Especial do Impeachment no Senado, Múcio considerou serem ilegais: “Parece não haver sentido em autorizar novos créditos que não poderiam ser executados, inconciliáveis com a nova meta fiscal vigente. Os decretos caracterizaram descumprimento da Lei Orçamentária Anual. Na prática, houve autorização de créditos sem a devida autorização legislativa”.
A repetição das “pedaladas” em 2015, com atrasos de pagamentos do Plano Safra no Banco do Brasil e do auxílio em juros de financiamentos do BNDES, e a edição de seis decretos de créditos suplementares sem aval do Congresso Nacional são algumas das irregularidades que deverão ser explicadas pela presidente afastada. O ministro relator entendeu que os atrasos em repasses aos dois bancos configuraram operação de crédito, o que é vedado pela Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF).
Outra irregularidade apontada foi o próprio pagamento das “pedaladas”, efetivado pelo governo da presidente Dilma nos últimos dias de 2015, na ordem de R$ 74 bilhões. Para os técnicos do TCU, gerou-se uma dívida para quitar outra.
Quitação
Depois do parecer pela rejeição das contas de 2014, aprovado em outubro do ano passado no plenário do TCU, e do início do processo de impeachment na Câmara, em dezembro, o governo decidiu quitar as “pedaladas” junto a bancos públicos e ao FGTS. O detalhamento desse pagamento foi feito pelo Ministério da Fazenda em 30 de dezembro de 2015. “Pedaladas” anteriores a 2015 somavam R$ 53 bilhões, e os outros R$ 21 bilhões se referiam ao ano passado.
Para os técnicos que analisaram as contas de Dilma, os pagamentos foram irregulares. “Ao invés de registrar as operações como quitação de dívida de operação de crédito, registraram-se os pagamentos dos passivos do Banco do Brasil, BNDES e FGTS como se fossem despesas com subvenções econômicas, o que acabou distorcendo as informações orçamentárias do exercício de 2015”, escreveram os auditores.
Também foi irregular, segundo ele, a ausência de registro na dívida pública, dos débitos referentes aos dois bancos e também ao FGTS. A omissão de passivos nas estatísticas de dívida pública inclui ainda a Caixa Econômica Federal, conforme o voto de José Múcio apresentado na sessão.
Os técnicos apontam uma operação de crédito supostamente irregular envolvendo o Banco da Amazônia, que tem a União como maior acionista. Conforme o relatório, o Tesouro se comprometeu a aumentar o capital do banco em R$ 982,1 milhões, com depósitos em dinheiro. Esse aporte teria ocorrido com títulos públicos.
O banco fez uma operação compromissada para vender os títulos, obter o dinheiro e recomprar os títulos em um dia. A interpretação dos auditores é que a instituição financeira acabou pegando um empréstimo para cobrir obrigação que era da União, o que é vedado na Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF).
Infraero e DPVAT
O relatório técnico ainda lista uma falta de repasse pela Infraero de R$ 518 milhões ao Fundo Nacional da Aviação Civil, que se destina a obras de infraestrutura aeroportuária. A estatal estaria usando o dinheiro em despesas correntes. O DPVAT também não fez repasses de R$ 89,7 milhões devidos ao Fundo Nacional de Saúde, segundo outro apontamento de irregularidade.
Além do relatório técnico finalizado por 21 auditores, o Ministério Público junto ao TCU elaborou seu próprio parecer relacionado às contas de 2015 da presidente afastada. Mais cinco indícios de problemas nas contas foram listados nesse parecer.
O documento aponta como “grave irregularidade” a edição de quatro medidas provisórias em 2015 que criaram gastos extras de R$ 49,6 bilhões, sem levar em conta critérios de urgência, imprevisibilidade ou calamidade, necessários à proposição de MPs pelo presidente da República. Os créditos se destinaram a despesas como o pagamento do Fies e o próprio pagamento de “pedaladas”.
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