Igualdade
Direitos fundamentais ainda são desrespeitados, dizem especialistas
Não são apenas os direitos sociais previstos na Constituição como a garantia à saúde gratuita que não são integralmente respeitados. Especialistas dizem que há violações diárias a um dos capítulos mais celebrados quando o texto constitucional foi promulgado em 1988: o dos Direitos e Garantias Fundamentais, que estabelece que "todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza".
A vendedora Ana Keila Pasko, por exemplo, se sentiu discriminada por não ter a chance de remarcar um teste físico em um concurso público de agente penitenciário realizado neste ano. Com uma gravidez de risco, ela não podia se submeter ao exame na data prevista. E, mesmo com a apresentação de atestados médicos, acabou sendo desclassificada. "É um direito garantido, eu não deveria ter de entrar na Justiça por causa disso. Não quero deixar de fazer o teste físico; apenas quero ter uma nova oportunidade", diz.
O advogado Fabiano Alves de Melo da Silva, que atende o caso de Ana e vários outros parecidos, conta que situações como essa são cotidianas e revelam até uma falha do texto constitucional. "A Constituição assegura direitos para todos os cidadãos. Em casos de concursos públicos, por exemplo, é preciso transcrever no edital aquilo que é razoável e isonômico no entender dela, mas é difícil chegar a um parâmetro."
Para o advogado e cientista político Marcelo Navarro, mesmo com a necessidade de inclusão dos direitos e garantias fundamentais no texto constitucional, a lei por si só não garante sua efetividade. "Há uma diferença entre a formalidade do texto e a prática. Mas a lei ao menos impõe um limite."
O professor de Direito Constitucional da PUCPR Alvacir Nicz avalia que, à medida que as gerações vão se sucedendo e que a população vai tendo mais educação, a tendência é que a Constituição seja mais efetiva. "Sem dúvida nenhuma avançamos nesse ponto [na educação], mas ainda temos muito a investir. De outro lado, os maiores problemas estão na atenção à saúde e na segurança pública", afirma Nicz.
Aos 25 anos, geralmente a transição da juventude para a maturidade está completa. É uma época marcada pela idealização de uma carreira profissional de sucesso. A vida financeira começa a ficar mais consolidada. E outros conquistam uma vida afetiva estável. O mesmo conceito de maturidade, porém, talvez não possa ser aplicado ao quarto de século da Constituição de 1988, completado neste sábado.
Já em 1878, sob a luz da primeira carta constitucional do país, outorgada por D. Pedro I, o escritor Machado de Assis falava sobre uma "infância constitucional" em uma de suas crônicas que tratava do direito de voto no Brasil que, na época, era restrito aos mais ricos. Para ele, havia uma série de fatores que a lei não substituía, entre eles, o estado mental da nação e os seus costumes.
Para o historiador e professor da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), Marco Antonio Villa, a análise de Machado de Assis ainda se mantém sobre a Constituição de 1988, apesar de a garantia dos direitos para os cidadãos ter evoluído. "Já estamos na adolescência constitucional, mas esse processo de transição para a maturidade é longo e exige um pouco de paciência, pois faz parte do aprendizado político", diz ele.
Direitos deficitários
A negação do direito à saúde pelo Estado, garantida no texto constitucional, é um dos exemplos de que a Constituição brasileira ainda não adquiriu a "maturidade". Foi o que vivenciou, há seis anos, o advogado curitibano Carlos Alberto Pessoa. Em um exame de rotina, ele descobriu que estava com hepatite C. Precisava tomar, por seis meses, uma injeção que custava R$ 1,8 mil por semana e uma caixa de comprimidos que durava 11 dias, ao preço de R$ 400 cada uma.
Sem condições de arcar com o tratamento, o advogado teve de entrar com um mandado de segurança para garantir que o Estado fornecesse os medicamentos de graça. "Nossa Constituição é muito boa, pois, se há descumprimento por parte do Estado, ela própria é o guia do Judiciário para garantir esse benefício", diz Pessoa, que hoje atua como defensor de vários outros cidadãos que passaram por casos como o dele.
A representante comercial Mariane Binotto foi diagnosticada em 2004 com hipertensão pulmonar, uma doença grave. Para garantir o acesso gratuito a um dos remédios necessários para o tratamento que, na época, custava mais de 4 mil euros (cerca de R$ 1,2 mil) , Mariane teve de contratar um advogado e acionar o Judiciário exigindo o direito constitucional. "Não conseguia fazer nenhuma atividade sem ajuda de alguém e tinha de usar oxigênio todo o tempo. Hoje levo uma vida praticamente normal. Sem o remédio, eu não estaria mais aqui", conta.
Além de histórias parecidas, Carlos Alberto e Mariane compartilham da mesma indignação ao lembrar que nem todas as pessoas têm as mesmas oportunidades para garantir o cumprimento do que está escrito na Constituição. "O acesso à Justiça, outro direito da Constituição de 1988, ainda não é igualitário", resume o advogado.