Ciscar, bater asas, se empoleirar quando bem entender e passar o dia procurando larvas e insetos como aperitivo, na companhia de amigas. A vida “sonho de consumo” de qualquer galinha poedeira é realidade na Inglaterra, onde uma organização sem fins lucrativos mantém há uma década um sistema que recompensa as provedoras de ovos com a merecida aposentadoria.
As galinhas contempladas pela “previdência social” britânica chegam aos quintais de seus pais adotivos como sedentárias crônicas: viveram a juventude em pequenas gaiolas, só comendo, bebendo e botando ovo.
A iniciativa de incentivar as pessoas a terem um asilo para galinhas em seus quintais partiu de Jane Howorth, inglesa que ficou sensibilizada ao ver as duras condições de trabalho das galinhas poedeiras mantidas no sistema de baterias de gaiolas. Além de levar uma vida no aperto, sem poderem expressar seus movimentos naturais como bater asas e ciscar, após dois anos, quando o ritmo de produção de ovos diminui, essas galinhas normalmente terminam seus dias na fila do abatedouro.
Nos últimos dez anos, o Fundo Britânico para Bem-Estar das Galinhas (British Hen Welfare Trust - BHWT), fundado por Jane, já conseguiu salvar do abate 665 mil galinhas poedeiras, que graças à iniciativa passam o restante da vida (uma galinha vive em média entre 6 e 8 anos) confortavelmente instaladas como pets em lares de toda a Inglaterra. A BHWT estima que atualmente 750 mil britânicos mantêm galináceas em casa, como bichos de estimação. Entre os apoiadores da causa está o chef Jamie Oliver, astro da televisão inglesa que viaja o mundo procurando entender como se alimentam as populações mais saudáveis.
O fundo exige que cada família adotante leve pelo menos três galinhas – afinal, elas são aves bastante sociáveis – e que providencie viveiros seguros (à prova de raposas), com espaço para ciscar e se empoleirar. Cada galinha é vendida por 5 libras (cerca de R$ 25) e o dinheiro vai para pagar as aves aos criadores e cobrir gastos com veterinários e programas educativos e de promoção do bem-estar animal. Além disso, todas as galinhas adotadas são registradas pela Agência de Saúde Animal e Vegetal.
Sophia foi o nome dado a uma das galinhas adotadas por Paul Checkley, de St Helens, no condado de Lancashire, no Noroeste da Inglaterra. “Eu tenho problemas de saúde mental. Ser responsável pelo cuidado dessas meninas, recebendo em retorno belíssimos ovos, virou meu mundo de cabeça para baixo. Elas sofreram em nome da produção e do lucro, mas agora é a vez delas de viver uma vida completa, livre e feliz, depois de tanto que fizeram por nós”.
Além de promover a aposentadoria das galinhas poedeiras, o Fundo Britânico faz campanha para encorajar os consumidores a comprarem apenas ovos “free range” – de galinhas criadas soltas – ou ovos orgânicos, para “assegurar o melhor bem-estar possível às galinhas”, segundo a diretora de comunicação da instituição, Francesca Taffs. “Nós não apenas providenciamos abrigo para essas aves, mas também transformamos a vida de seus donos. Eu mesma já adotei galinhas libertadas das gaiolas e posso testemunhar, em primeira mão, como essas dóceis criaturas enriquecem nossas vidas. Já realojamos 650 mil aves e mal vemos a hora de arranjar abrigo para outras 650 mil”.
Apesar de a aposentadoria chegar a menos de 1% das galinhas poedeiras inglesas, o movimento de conscientização dos consumidores quanto ao bem-estar animal tem levado várias empresas de alimentação, inclusive no Brasil, a se comprometerem com a produção de ovos livres de gaiola até 2025. Na Inglaterra, desde 2011 a maionese Hellman’s é feita apenas com ovos de galinhas soltas.
Mudança de paradigma
A tendência cresce também no Brasil. O Grupo Mantiqueira, maior granja da América do Sul, já produz 6,5 milhões de ovos por dia de galinhas livres de gaiola. A empresa acaba de investir R$ 7 milhões no arrendamento de uma fazenda em Paraíba do Sul, no sul do Rio de Janeiro, para produzir ovos de até 500 mil galinhas criadas fora de gaiola.
A médica veterinária Carla Molento, professoras e coordenadora do Laboratório de Bem-Estar Animal da Universidade Federal do Paraná, diz que o sistema de criação de galinhas em gaiolas industriais está com os dias contados. “É um sistema muito crítico para o bem-estar das aves, que passa por um crescente questionamento e tende a desaparecer. Até coisas básicas, de altíssima importância para o organismo das galinhas, como se espreguiçar, é impossível de fazer nesses pequenos espaços”, comenta.
Para a professora, o fato de os grandes atacadistas sinalizarem que não vão mais comprar ovos de galinhas de gaiolas a partir de 2025 permite que o setor produtivo tenha tempo para se reorganizar. “Isso mexe em infraestrutura e não é algo que se faça da noite para o dia. É preciso haver uma reação já. Por que quando houver a mudança, quem não tiver se preparado não vai conseguir vender”, alerta. O Canadá, aponta a veterinária, decidiu por lei que, a partir de 2036, não poderá existir nenhuma galinha em gaiola industrial.
A Expedição Avicultura da Gazeta do Povo esteve no início do mês nas granjas do avicultor Rildo Ferraz, de São Bento do Una, no Agreste pernambucano. Ele já conta com 420 mil galinhas livres de gaiolas, cujos ovos ainda são vendidos misturados aos comuns. Em três meses Ferraz deve receber uma certificação de que seu plantel é “cage-free”. Com o selo em mãos, deve fechar contrato e começar a entregar ovos para grandes redes supermercadistas que já visitaram as criações. Ferraz ainda está de olho na possibilidade de exportar para a Europa e os Estados Unidos. “Fomos nós que trouxemos as aves para o sistema artificial. Mas a natureza delas é isso aí, é ciscar pelo chão, comer raiz, sementes e pedriscos. Estamos trazendo novamente as galinhas para seu habitat natural”, diz Ferraz.
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