Aprovada e liberada desde 2015 por autoridades sanitárias dos Estados Unidos e Canadá para consumo humano, uma espécie de salmão geneticamente modificado (GM) vem sendo testada também no Brasil. A empresa proprietária do peixe estuda se ele tem condições de se adaptar ao clima do país e ser criado por aqui. Por enquanto, a autorização do governo brasileiro é apenas para ensaios científicos, sendo vedada sua comercialização.
Tal como as plantas que utilizam a transgenia em larga escala, o salmão não escapou de polêmicas e de resistência à sua aprovação na América do Norte. Nem tanto por questões de qualidade da carne ou riscos à saúde humana, conforme demonstraram os testes. Questionou-se principalmente o seu potencial de competir com espécies nativas por alimento caso escapasse para o ambiente natural.
O peixe transgênico, que é criado em cativeiro, cresce mais rapidamente do que as espécies nativas e poderia levar vantagem na competição pela comida. O salmão GM é uma variedade do salmão do Atlântico que atinge o tamanho de abate em 18 meses – metade do tempo de uma espécie selvagem. Ele recebeu um gene ligado a fatores de crescimento do salmão Chinook e outro gene regulador da faneca do oceano (um tipo de enguia). Com isso, produz hormônio de crescimento de forma contínua, chegando à fase adulta bem mais rápido do que o normal.
No Brasil, a empresa canadense Aquabounty Technologies, detentora da tecnologia do salmão transgênico, contratou duas empresas locais para fazer os testes do produto e verificar a viabilidade da criação do peixe. Os testes estão sendo feitos há mais ou menos três anos em um criadouro na Serra da Mantiqueira, em Minas Gerais. O peixe é cultivado em tanques especiais, com ração específica e condições que simulam seu habitat natural. Ele precisa, por exemplo, de água extremamente limpa e com alto teor de oxigênio para sobreviver.
Risco biológico
De acordo com Luiz Antonio Barreto de Castro, da Agropecuária Biotecnologia Consultoria e Projetos (ABCP), uma das empresas contratadas para acompanhar o desenvolvimento do salmão transgênico, a Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CNTBio), ligada ao Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação, acompanha todo o processo da pesquisa para saber se há algum risco biológico ou ao meio ambiente.
Castro explica que os testes com o salmão GM têm sido positivos. Apesar de o clima brasileiro ser menos frio do que o do ambiente natural do peixe, o problema maior tem sido a questão da ração, que não é comum no Brasil. Por enquanto, o alimento é importado. Os resultados dos testes de desenvolvimento do animal devem sair daqui a um ano.
Para Castro, além de ter que passar nos testes e depois vencer as barreiras legais, o maior desafio do salmão transgênico no Brasil será competir com o produto chileno. Por ano, o Brasil importa 54 mil toneladas de salmão do Chile. “A gente não sabe como vai ser o futuro da demanda alimentar no Brasil. O país é um grande produtor de grãos, mas além disso é um exportador de carne”, observa o consultor.
Segundo o zootecnista Alexandre Rodrigues Caetano, pesquisador da Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia, as pesquisas do salmão transgênico começaram lá fora há pelos menos duas décadas. Ele explica que o risco de o salmão GM causar algum desequilíbrio ambiental é pequeno, já que o animal é criado em cativeiro. Além disso, todos os peixes são fêmeas e estéreis. No caso do Brasil, especificamente, ainda tem o problema do clima atípico para a espécie – que não sobreviveria muito tempo fora de um ambiente controlado. Também não existem espécies nativas com quem ele possa competir.
Tendência
Mas poderia o salmão transgênico ser o pioneiro de uma nova era de animais genericamente modificados voltados ao consumo humano? Para o veterinário Luiz Sergio de Almeida Camargo, pesquisador na área de biotecnologia e reprodução animal da Embrapa, qualquer alimento, seja transgênico ou orgânico, possui algum risco. No caso do salmão, a questão do hormônio do crescimento acelerado seria o calcanhar de Aquiles do peixe. Mas o pesquisador acredita que não haverá problemas na liberação para o consumo, pois dois países de referência já liberaram.
Camargo diz que, no entanto, mais viável do que colocar um transgênico no mercado é trabalhar com animais com genoma editado, usando tecnologias de melhoramento genético, o que é diferente de geneticamente modificado. Como ocorre na agricultura, uma determinada característica da espécie – como resistência a uma doença ou capacidade de produzir determinada substância – pode ser editada, melhorando a precisão de algo que é natural da espécie. Ele acredita que essa tecnologia será bem presente daqui a 5 ou 10 anos.
“Cada animal tem que ser pesquisado de forma específica, encontrando-se soluções específicas. O que funcionou para o salmão não necessariamente funcionará para outros animais”, observa Alexandre Caetano. Para ele, as tecnologias para produzir animais transgênicos melhoraram muito nos últimos anos, bem como outras alterações no DNA, mas o aspecto regulatório e as pesquisas são caríssimas e demoram.
Além disso, aponta o pesquisador, de modo geral há uma resistência muito grande aos transgênicos por falta de mais informação por parte da sociedade civil. “A maior parte das pessoas acha estranho. Mas no ambiente técnico e científico essa questão é muito tranquila. A tecnologia tem se mostrado segura e os produtos liberados para consumo também”, observa.
Para Alexandre Lima Nepomuceno, que coordena o portfólio de engenharia genética no agronegócio da Embrapa, essa polêmica em torno dos transgênicos se criou também em relação à soja resistente ao glifosato, mas, segundo ele, em mais de 20 anos de pesquisa não se provou que ofereça algum risco à saúde do ser humano. “A transgenia já vem sendo usada desde os anos 1970 para a fabricação de insulina e outros produtos. Os transgênicos também reduziram o uso de inseticidas no mundo. O histórico de uso é seguro”, conclui.
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