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As vendas de leite alternativo cresceram 8% ao ano nos últimos dez anos segundo o Rabobank. | Pixabay/Creative Commons
As vendas de leite alternativo cresceram 8% ao ano nos últimos dez anos segundo o Rabobank.| Foto: Pixabay/Creative Commons

Se você der uma volta no supermercado, não será difícil ver – e entender – porque alguns dos produtos da seção de laticínios têm sido estampados com a imagem de uma vaca.

Leite e queijo de soja, amêndoa, coco, castanha e até de sementes de linhaça, definitivamente, ganharam as prateleiras, enquanto o consumo de leite de vaca, principalmente nos Estados Unidos e na Europa Ocidental, vem caindo desde os anos 1970.

Em maio, o Rabobank, que tem sede na Holanda, aconselhou produtores rurais a diversificarem seus negócios, inclusive com investimentos na “concorrência”. “As vendas de leite alternativo cresceram 8% ao ano nos últimos dez anos”, afirma o banco, líder em financiamentos no segmento agropecuário.

O que ocorre hoje, porém, vai contra o conselho da instituição. A indústria de laticínios tem revidado na competição com o setor vegetal. Uma das armas é a campanha para evitar que os rivais usem termos como “leite” e “queijo” em suas embalagens. Sob um lobby intenso da indústria, a Agência de Alimentação e Medicamentos dos Estados Unidos (FDA, na sigla em inglês) pode publicar novas orientações sobre o assunto em breve. Recentemente, lançou uma consulta pública a respeito dos rótulos de produtos vegetais que utilizam nomes como leite, leite fermentado, iogurte e queijo. No último ano, a senadora Tammy Baldwin – que representa o estado de Wisconsin, um dos líderes norte-americanos no segmento – propôs um Ato de Orgulho aos Laticínios “para exigir medidas contra os laticínios alternativos”.

Os críticos de vocabulário dizem que são contra o emprego das palavras “queijo” e “leite” para descrever produtos vegetais porque defendem o entendimento tradicional sobre o significado desses termos. Mas vá tentar explicar isso a ninguém menos que o “inventor da eletricidade”, Benjamin Franklin (se ele ainda estivesse por aqui, é óbvio).

Em 1770, Franklin enviou de Londres para os Estados Unidos alguns feijões secos que, afirmava, eram usados pelos chineses para fabricar um tipo de “queijo”. Os feijões aos quais ele se referia se tratavam, muito provavelmente, da soja e, o tal “queijo”, uma tradução do que, segundo Franklin, um viajante espanhol havia chamado de “tau-fu”. O antigo político britânico Francis Bacon falou em queijo vegetal ainda mais cedo, em 1626, quando escreveu que havia plantas que continham leite e era possível observar isso quando elas eram cortadas.

Em meados do século 19, o cultivo de soja foi introduzido nos Estados Unidos e, em 1897, o termo “leite de soja” apareceu pela primeira vez em um documento do governo norte-americano. Também no final do século 19, o físico e inventor John Harvey Kellogg (sim, ele mesmo, o Kellogg dos “Sucrilhos”) começou a fazer experimentos com comida vegetariana, incluindo castanhas para substituir a carne. Em 1940, a expressão “carne de soja” passou a circular em publicações da indústria norte-americana.

Ainda assim, os EUA demoraram a aceitar a ideia de carne e leite vegetal. O século 20 foi cheio de tentativas que não colaram. Nas últimas décadas, porém, os processos de produção melhoraram e trouxeram ao mercado produtos mais palatáveis. Não importa se estão preocupadas com a saúde, mudanças climáticas ou bem-estar animal, as pessoas estão encontrando múltiplas razões para “descer” na pirâmide da cadeia alimentar.

Contudo, o que não mudou ainda é o status quo do revide. Além das ações da FDA e da proposta da senadora Baldwin, do Ato de Orgulho aos Laticínios (numa versão mais longa: posicionar-se contra imitações e substituições de iogurte, leite e queijo para promover a ingestão diária desses produtos no jeito tradicional), que ainda está em um comitê do Senado, os legislativos estaduais também defendem o lobby do celeiro. Neste ano, a Carolina do Norte proibiu “a venda de produtos vegetais descritos como leite”. Recentemente, o Missouri promulgou uma lei dizendo que apenas a produção advinda do gado e das aves pode ser comercializada como “carne”.

No final das contas, tudo isso pode até confundir os consumidores. Eles realmente precisam ser alertados que o queijo de amêndoa não vem de vacas, ou que um hambúrguer vegetariano não é feito com carne moída?

A “hostilidade” da indústria de laticínios contra os produtos vegetais tem uma longa tradição. Ainda na época da Grande Depressão, na década de 1930, houve um protesto no Wisconsin contra a margarina, que em alguns casos era feita com óleo de coco. Um dos participantes segurava um cartaz com a frase: “Não aguarde prosperidade se você espera que um fazendeiro americano concorra com uma vaca de coqueiro”. Essa batalha já se arrastava por anos: em 1869, produtores soaram o alarme para o que chamavam de “manteiga falsificada”, como disse um congressista do Wisconsin ao propor impostos para os produtores de margarina. Em 1900, 30 estados proibiram o uso de corantes para deixar a margarina amarela. Alguns estipularam, ainda, que ela deveria se tingida de “rosa-choque”.

Uma lei obrigando que a margarina seja cor-de-rosa pode soar tola em 2018, assim como os esforços para “sabotar” os produtos vegetais hoje em dia, apelando à tradição. Entretanto, você não tem que ser tão esperto quanto Benjamin Franklin para reconhecer que esses esforços estão em linha com outra tradição norte-americana: a do bom e velho protecionismo.

*Paul Shapiro é o autor do livro “Carne limpa: como produzir carne sem animais vai revolucionar a mesa e o mundo” (em tradução livre).

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