Ao decidir tamanho da prole, menos é mais
Samir, de 15 anos, é o filho único do casal Gazel. Quando decidiram que teriam apenas ele, Mariângela e Paulo pensaram que isso facilitaria para dar boas condições de estudo, lazer e alimentação. Foi o que aconteceu. O garoto estuda em uma escola particular de qualidade, faz cursos extracurriculares como língua estrangeira , frequenta instituições particulares de atividades esportivas, tem acesso a viagens e a vários tipos de lazer e ainda tem uma poupança feita pelos pais para investir no seu futuro.
O casal Paulo Antônio e Mariângela Gazel mora em São Paulo e se enquadra no perfil da classe média brasileira. Ele é médico, ela é dona-de-casa e começa agora a se dedicar às artes plásticas. Possuem carro, residência própria e podem fazer viagens no período de férias. Quando casaram, os dois estavam na faixa dos 30 anos e decidiram que teriam apenas um filho. Vindos de famílias grandes ele tem sete irmãos e ela, nove irmãs eles refletem a tendência da família brasileira atual: menos filhos e a primeira gestação após os 30 anos de idade da mulher.
Dados da Pesquisa Nacional de Demografia e Saúde da Criança e da Mulher (PNDS), feita pelo Ministério da Saúde em 2006 a mais recente , apontam que a taxa de fecundidade brasileira é de 1,8. Isso significa que em média a mulher em idade reprodutiva, dos 15 aos 49 anos, não chega a ter dois filhos. Embora exista uma variação dependendo da região geográfica do país, mesmo em regiões com maior índice de pobreza a tendência também é a redução no número de filhos, mesmo que não na mesma proporção. Enquanto Sul e Sudeste apresentam taxa de fecundidade inferior à média nacional, Norte e Nordeste têm índices um pouco maiores, de 2,7.
A emancipação feminina e a entrada no mercado de trabalho a partir da década de 60 foram o impulso inicial para a reconfiguração da estrutura familiar brasileira, que começou a mostrar seus primeiros sinais de mudança nos anos 80. Com outras preocupações além da família, a mulher passa a pensar no planejamento familiar e a utilizar com mais frequência os métodos contraceptivos que também apareceram em meados dos anos 60. De acordo com a professora de Geografia da População, da Universidade Federal do Paraná (UFPR), Gislene Aparecida do Santos, a figura feminina é fundamental nessa mudança, já que nessas duas décadas houve poucas políticas públicas efetivas de redução de natalidade e que demoraram para surtir efeito. "A mulher é a gestora central da decisão familiar. Com as alterações das relações de trabalho e aumento da educação, ela passa a rever seu papel no casamento, refletir sobre seu corpo e optar ou não pela maternidade".
Informação
Outro fator importante é a urbanização migração da população rural para as grandes cidades. Tradicionalmente as famílias rurais eram grandes para aumentar a força de trabalho. É na classe média urbana e no seu consequente fortalecimento que começa a grande revolução familiar. "Mesmo com a taxa de natalidade em queda, ela ainda não está negativa e por isso não estamos em estado alarmante. Caminhamos para um aumento da população idosa e para uma redução de crianças. Para isso, é necessário que se pense em políticas públicas adequadas para essa faixa etária e até numa reestruturação urbana, já que as cidades não são preparadas para os idosos", explica Gislene.
Longe do ideal, o país ainda não tem uma uniformidade no planejamento familiar. A regra que diz: quanto maior a renda e a escolaridade, mais se tem condições de escolha em relação ao matrimônio e aos filhos, ainda é válida. Lena Peres, coordenadora da área técnica da saúde da mulher do Ministério da Saúde, explica que, quanto maior o grau de instrução da mulher, menos filhos ela tem. As que não chegam a frequentar a escola tendem a ter cerca de quatro filhos, enquanto as que estudam por, no mínimo, nove anos, não alcançam a média de dois.
O Brasil tem hoje pouco mais de 50 milhões de mulheres em idade de reprodução, mas nem todas elas desfrutam do acesso à informação. As discrepâncias dos serviços de saúde e educação são grandes quando se compara regiões do Sul e Sudeste com Norte e Nordeste. Sem contar que a consciência do homem em relação ao seu papel no controle e planejamento familiar ainda está em fase de desenvolvimento e também apresenta grande variação dependendo do estado. Para Lena, o país teve um bom avanço em relação a isso nos últimos dez anos. A mulher deixou de ser a única responsável por cuidar da fertilidade e o homem aumentou sua responsabilidade. A taxa de esterilização feminina caiu de 40% para 29%, enquanto a venda de preservativo saltou de 4% para 12%.
Gislaine alerta sobre os fatores que causam a redução da natalidade. Para ela, não é apenas uma questão biológica, mas da própria distribuição da população no espaço físico. "Temos regiões com enormes aglomerados de gente, menos serviços de saúde e educação eficientes. Isso também conta", comenta.
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