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“Las Insoladas” fala de “pessoas que trabalham o ano todo em profissões que não têm futuro”, explica o diretor Gustavo Taretto. “No filme, essa frustração é o que gera o sonho [de viajar].” | Divulgação
“Las Insoladas” fala de “pessoas que trabalham o ano todo em profissões que não têm futuro”, explica o diretor Gustavo Taretto. “No filme, essa frustração é o que gera o sonho [de viajar].”| Foto: Divulgação

Gustavo Taretto conta que desde sempre as mulheres predominaram em sua vida. Nas reuniões familiares, por exemplo, o cineasta argentino, diretor de “Medianeras” (2011), é um homem ilhado pela presença da mãe, da mulher, das filhas, das sobrinhas e de três cunhadas (divorciadas).

Não surpreende, portanto, que “Las Insoladas”, em cartaz em São Paulo e ainda sem previsão para Curitiba, tenha nada menos do que seis protagonistas.

“Quando predominam as mulheres, nós, homens, estamos condenados ao silêncio”, diz Taretto. “Não me restou outra alternativa ao longo da vida a não ser escutar. E é muito difícil criar um texto quando há mulheres falando.”

Aparentemente, Taretto conseguiu mais do que isso. Tostando-se no terraço de um prédio em Buenos Aires, durante um verão de temperaturas altíssimas, as personagens de “Las Insoladas” sonham conhecer Cuba mas não têm dinheiro para a viagem. Elas resolvem, então, unir-se em torno desse objetivo comum, que se converte em uma obsessão.

Desmaios e insolações

Em dezembro de 2014, o cineasta Gustavo Taretto dirigiu as seis personagens de “Las Insoladas” no alto de um prédio no centro da capital argentina

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Como “Medianeras”, “Las Insoladas” tem origem em um curta-metragem de mesmo nome, feito em 2002. O cineasta conta que escreveu o roteiro do curta sozinho. Mas, quando foi elaborar o longa e incorporou mais personagens, percebeu que seria importante ter uma “visão mais feminina”. Por isso, chamou a roteirista Gabriela Garcia.

“Gosto muito do humor de Gabriela e do que ela escreve. Trabalhamos juntos nos diálogos e na construção dos personagens. Mas a estrutura e os conflitos foram trabalhos meus”, diz.

Ambientado no começo dos anos 1990, o filme captura o entusiasmo da classe média argentina com o início do segundo governo democrático pós-ditadura. E mostra os efeitos de um crescimento repentino, causado pela paridade artificial entre o peso e o dólar. Tudo isso é apresentado sob a perspectiva de seis mulheres de diferentes idades e estratos sociais, unidas pelo amor ao ritmo da salsa. Elas procuram alcançar o símbolo máximo da ascensão social na época: uma viagem ao exterior.

Segundo Taretto, o então presidente Carlos Menem prometeu naquele momento que levaria a Argentina ao Primeiro Mundo por meio de uma revolução produtiva. No fim, conseguiu apenas emplacar um projeto de crescimento econômico artificial e não sustentável, o que gerou um clima de loucura consumista:

“A classe média argentina sempre foi de trabalhadores que viviam com a lógica de trabalhar muito, poupar por longos anos e, só depois, desfrutar. O menemismo conseguiu fazer com que, com apenas três meses de trabalho, as pessoas pudessem viajar para a Europa torrando dólares. Foi irresponsável. O país, de repente, passou da cultura do trabalho para a cultura do sucesso.”

Cena de “Medianeras”Divulgação

Essa conjuntura foi catalisada por outras mudanças importantes: a explosão tecnológica, o aparecimento do celular, a popularização da internet, o apogeu das cirurgias estéticas e o bronzeado como símbolo de status. A classe média argentina tinha como destinos preferidos Búzios, Florianópolis, Cancún e as ilhas do Caribe.

“Toda essa gente voltava bronzeada e com trancinhas na cabeça, e isso enlouqueceu as pessoas. Nessa época, eu já era adulto e fiquei preocupado com o fato de que aquilo acabaria em algum momento. E as consequências seriam tristes, como realmente foram.”

Entre todas as pessoas que saíam de férias, de acordo com Taretto, havia uma parte importante que não podia participar da festa. Entre elas, estavam as “insoladas”.

“São pessoas que trabalham o ano todo em profissões que não têm futuro e estão frustradas porque também não têm projeção pessoal. Por que todo mundo pode e elas não? No filme, essa frustração é o que gera o sonho [de viajar] e, naquele dia de calor, esse sonho se transforma em obsessão.”

O diretor explica a escolha de Cuba como destino da viagem das personagens por uma identificação histórica com a Argentina.

“Cuba sempre foi um país muito próximo da Argentina emocionalmente. Costumo dizer que, pelo menos em Cuba, tenho certeza de que nós, argentinos, somos queridos, o que não acontece no restante da América Latina. Por muitas razões: Che Guevara nasceu na Argentina, o cinema argentino sempre fez muito sucesso em Cuba... Sempre houve boa química.”

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