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 | Ilustração: Felipe Lima sobre foto de divulgação
| Foto: Ilustração: Felipe Lima sobre foto de divulgação

A hiperacuidade é um problema sério na família Carnieri. Não passa despercebido um alarme disparado ou um ganido de cachorro, sempre recebidos com um grunhido irritado, quando não coisa pior.

Vítima da genética, sofro dentro do ônibus. Engana-se quem pensa que o maior desafio do poder público no setor de transportes seja a superlotação ou a pressão por redução de tarifa. Na minha opinião, trata-se das campainhas que funcionam fora de qualquer padrão.

Pessoalmente, rejubilo quando o som é curto e grave, uma bênção para os ouvidos. Deveria ser regra. Mas me contorço quando ele é longo e...agudo. Sim, leitor, se você anda de coletivo, não pode ter deixado de notar quão nefasto é o som agudo para o ser humano.

Mas qual seria a diferença de um agudo "modal", ouvido no ambiente urbano, para as caprichadas notas alcançadas pelas sopranos mundialmente famosas, cuja música é treinada em horas a fio de afinação e que apreciamos em elegantes salas de concerto?

A ponte entre os sons espontâneos (ainda que nem sempre desejados) e a boa música está em compositores como o norte-americano Philip Glass, que completa 77 anos no próximo dia 31. Desde os anos 1970, ele vem utilizando graves e agudos de uma maneira vanguardista, resultando em óperas como Einstein na Praia, encenada pelo diretor Robert Wilson, e Satyagraha, um monumento à revolução pacífica de Gandhi.

Há quem diga que sua música é do tipo "ame ou odeie". "A música de Philip Glass é instantaneamente reconhecida", definiu

Susan Lacy, produtora do documentário Glass – Um Retrato de Philip em 12 Partes, no site American Master. "Suas notas em camadas repetidas são transcendentais para alguns e insuportáveis para outros. Mas ninguém pode contestar a influência de Glass para a música contemporânea."

Nas óperas de Glass, são comuns sons como o de apito de trem ou palavras infindavelmente repetidas – como na incessante contagem de 1 a 8 do primeiro ato de Einstein.... Quando compõe para o piano, Glass atinge uma sonoridade romântica e límpida, que será facilmente reconhecida por quem assistiu ao filme As Horas, cuja trilha sonora é de sua autoria.

O grande artista pode ser definido assim: alguém capaz de atravessar fronteiras padronizadas ou de instalar-se confortavelmente sobre notas antes já tocadas, sobretudo criando uma assinatura inconfundível. Ou, na definição do próprio músico, entrevistado no filme Glass...: "Se eu não tivesse a habilidade de criar uma música tão radical, poderia ser confundido com um idiota".

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