A baixa qualidade da educação é o problema estrutural que mais compromete a capacidade de crescimento do país. Mas não é necessariamente com mais recursos que ele será solucionado, avalia o engenheiro e doutor em Economia Claudio Haddad, um estudioso das relações entre ensino e produtividade. “Há outras questões que devem ser atacadas, que podem ser até mais importantes do que a verba”, diz.
Presidente do conselho deliberativo do Insper, uma das principais escolas de negócios da América do Sul, Haddad elogia as vinculações que fixam gastos mínimos em educação, mas defende que o setor seja submetido ao teto de gastos que o governo de Michel Temer tenta aprovar para reequilibrar as contas públicas.
O economista conversou com a Gazeta do Povo na terça-feira (13) antes de um fórum realizado pelo projeto Vote Bem, da Federação das Indústrias do Paraná (Fiep), e pelo Grupo de Estudos Liberalismo e Democracia (Geld), da Faculdade de Direito da UFPR. Confira os principais trechos da entrevista.
Para onde vai a economia brasileira?
A economia se estabilizou, acho que pelo menos já parou de cair. Mas a recuperação deve ser lenta e muito dependente das reformas que têm de ser feitas. São todas muito complexas, mas podem gerar um pano de fundo bem mais favorável, para que o próximo governo eleito consiga melhorar de forma mais substancial a economia.
Qual reforma é mais importante?
Acho que se deve, primeiro, votar o teto de gastos, que é absolutamente essencial, senão nada vai acontecer. Do jeito que as contas públicas estão montadas, há um crescimento constante dos gastos ao longo do tempo. Ou enfrentamos isso para valer ou tudo ficará muito difícil. Se o gasto continuar a crescer como cresce, virão mais impostos e a economia vai ficar mais fraca ainda.
Alguns economistas defendem que o lado fiscal só vai melhorar com estímulo ao crescimento econômico, que elevaria a arrecadação.
É uma velha falácia. Vimos no próprio governo Dilma, que nos últimos anos aumentou os gastos de várias formas, mas a economia decaiu e a produtividade também. Não é com mais gastos públicos, que já estão muito pressionados, que a gente vai resolver esse problema. Pelo contrário. À medida que a gente controla os gastos e a dívida, gera condições para o setor privado investir mais. Senão, fica essa incerteza e a economia não sai do buraco.
A educação é o maior problema estrutural do país, e evidentemente deve ser prioridade. Dito isso, não é necessariamente com mais recursos que a gente vai solucionar o problema. Há escolas que gastam muito por aluno com desempenho pior que outras que gastam pouco por aluno.
O teto de gastos pode atrapalhar a educação?
A vinculação [que garante um orçamento mínimo] da educação foi muito importante. Graças a ela o Brasil consegue pôr 97% das crianças de até 6 anos na escola. E a educação é o maior problema estrutural do país, e evidentemente deve ser prioridade nacional. Dito isso, não é necessariamente com mais recursos que a gente vai solucionar o problema. Há escolas que gastam muito por aluno com desempenho pior que outras que gastam pouco por aluno. Ou seja, há outras questões que devem ser atacadas, que podem ser até mais importantes do que a verba. Dito isso, também não acho que se deva reduzir os recursos para educação. É preciso ter um equilíbrio. No caso do governo federal, há questões importantes. Houve um grande aumento no número de universidades federais. Ele era justificado? E o ensino público superior deve continuar gratuito, dado o custo envolvido e o fato de que as pessoas que vão para as universidades públicas em geral pertencem às camadas mais altas da população? Há vários assuntos que deveriam ser discutidos com mais profundidade. Não é só gastar mais que vai resolver o problema, e sim como gastar.
Onde está o maior gargalo da educação?
No ensino médio, em parte por deficiências que vêm do final do ensino fundamental 2, o antigo ginásio, e em parte porque o ensino médio no Brasil virou uma coisa louca. Tínhamos um sistema com divisão entre clássico e científico, a meu ver muito mais adequado do que o que se fez depois: botar tudo num mesmo saco, não sei quantas matérias, um currículo que não é nacional e no qual o aluno não entende por que está estudando aquilo, poucas horas de aula, muitas aulas que não são dadas, e consequentemente uma evasão muito alta. Os resultados são pífios. No último Saeb [Sistema de Avaliação da Educação Básica], as notas de matemática até caíram. Está havendo alguma evolução nas cinco primeiras séries, principalmente em português, não tanto em matemática. No fundamental 2, há muito pouca melhora, e no ensino médio tem havido, na verdade, uma queda.
Qual a consequência do desempenho ruim em matemática?
Só 10% dos alunos que completam o ensino médio têm um nível de matemática considerado minimamente adequado. Olhe para a indústria. Ela envolve tecnologia, que cada vez é mais sofisticada, envolve um raciocínio cognitivo, exige o entendimento de fenômenos mais complexos. Se você não tem isso, evidentemente que o Brasil entra já com handicap negativo muito forte.
O importante é a parte microeconômica. Criar um ambiente propício à meritocracia, à inovação, aos negócios. Um ambiente ético, em que não é pedindo um favor ou um subsídio ao governo, ou fazendo uma negociata, que você vai ganhar dinheiro. É assim que as nações prosperam.
E por que vamos tão mal?
O nível dos nossos professores deixa a desejar. Muitos nem têm conhecimento suficiente das matérias mais complexas para passar aos alunos.
Como formar professores melhores?
A estrutura curricular do curso de Pedagogia é muito teórica. O candidato a professor entra muito pouco em sala de aula. Ao mesmo tempo, o curso ficou por baixo em termos de preferência do estudante que vai fazer faculdade. Os melhores buscam Engenharia, Administração, Direito, Medicina e assim por diante. Pedagogia fica entre os menos demandados. Temos que fazer com que o curso seja mais atraente e eficaz, e ir treinando professores de maneira mais efetiva. Existem professores excelentes, e eles têm efeito fundamental sobre o aluno, que os vê como modelo, como exemplo. Mas precisamos montar um sistema em que os bons são estimulados, recompensados, e em que os que não são efetivos sejam treinados ou então afastados. É uma mistura de treinamento com gestão. Há exemplos muito bem-sucedidos em vários municípios, entre eles Sobral (CE), Nova Iguaçu (RJ) e outros.
O que foi feito nesses lugares?
Um direcionamento geral de política, de Estado. O município se engajou com isso durante anos, os sucessivos prefeitos entenderam a educação como importante e prioritária, e tocaram isso para a frente de maneira decisiva. Isso vai permeando para baixo. O secretário é cobrado, e cobra quem está abaixo, os bons diretores de escola trocam ideias sobre as melhores práticas e vão passando isso adiante, os ruins são afastados.
A Constituição de 1988 garante uma série de coisas para todo mundo sem que haja recursos para tal. O Brasil quis virar um país europeu tendo um quarto da renda per capita europeia.
O que fazer para o país crescer de forma sustentada?
No fundo, o importante é a parte microeconômica. Criar um ambiente propício à meritocracia, à inovação, aos negócios. Um ambiente ético, em que não é pedindo um favor ou um subsídio ao governo, ou fazendo uma negociata, que você vai ganhar dinheiro. É assim que as nações prosperam. Mas também temos de resolver alguns problemas estruturais em que nos enroscamos. A Constituição de 1988 garante uma série de coisas para todo mundo sem que haja recursos para tal. O Brasil quis virar um país europeu tendo um quarto da renda per capita europeia.
Não falta ao novo governo enfrentar essa questão dos subsídios e desonerações?
A coisa mais simples seria reverter as desonerações, mesmo porque não resolveram nada. A dificuldade é justamente que, quando você gera benefícios, gera grupos de interesse organizados que vão defendê-los com unhas e dentes. Por isso é preciso pensar muito antes de colocar novos benefícios, porque eles geram um novo problema.