Uma vez por ano, um pequeno grupo que controla trilhões de dólares de empresas americanas se encontra para almoçar em Manhattan. Entre os assuntos discutidos: trabalhar para ampliar seu espaço na administração de empresas.
É um encontro da elite, mas não há um único homem de terno na sala. O evento, chamado de almoço das Mulheres na Governança, exibe um nicho raro nas finanças dominado por mulheres.
Elas detêm posições no topo da hierarquia administrativa em muitos dos maiores fundos mútuos e de pensão, e decidem como votar em diretores de um conselho empresarial. Tomam decisões em nome de professores, funcionários públicos, médicos e a maioria dos americanos que participa de um fundo de pensão privado. Os líderes administrativos de sete dos 10 maiores investidores institucionais em ações agora são mulheres, segundo dados compilados pelo New York Times. Essas investidoras supervisionam US$ 14 trilhões em ativos.
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A governança corporativa desempenha um papel cada vez maior dentro do ecossistema das corporações americanas. Anualmente, no segundo trimestre, empresas negociadas na bolsa promovem reuniões de acionistas e expõem estratégias de negócios para o ano seguinte. Nomes como BlackRock, T. Rowe Price e State Street votam em estratégias e questões corporativas, incluindo compensações e nomeações do conselho empresarial.
Seus votos podem ter um amplo alcance, dada a enorme participação e controle dessas instituições em empresas dos EUA: a BlackRock detém uma participação superior a 5% em 75 das 100 maiores companhias, de acordo com dados compilados por Jerry Davis, professor da Faculdade de Administração Ross da Universidade de Michigan. A State Street tem mais de 5% de 23 das maiores delas, enquanto que o Capital Group possui mais de 5% de 20.
Esse poder, no entanto, raramente é exercido para pressionar as empresas; na maioria das vezes, esses enormes investidores institucionais optam por votar com a diretoria.
E sua abordagem contrasta drasticamente com a de bilionários ativistas impetuosos como William A. Ackman e Daniel S. Loeb, que se destacam como agitadores corporativos. Os dois investidores provocam mudanças batendo teatralmente na porta da frente das empresas e usando a opinião pública para intimidar as corporações a mudar suas estratégias.
“Temos um interesse em ver mais mulheres nos conselhos porque há dados mostrando que uma maior diversificação gera melhores decisões”
Mesmo assim, líderes de governança corporativa de gigantes institucionais dizem estar trabalhando silenciosamente nos bastidores para defender os direitos de seus maiores acionistas.
Quando Donna F. Anderson e sua equipe da T. Rowe Price começaram a se preocupar com um número cada vez maior de empresas que estava criando mais de uma classe de ações para efetivamente garantir maior influência e voz gestores internos,usaram seu voto para se manifestar. Donna, líder de governança corporativa, criou uma política de voto contra diretores chaves em empresas com dupla classe de ações, como o que existe no Facebook.
Agora, sua equipe cogita se deve criar uma política semelhante em relação à diversidade de gênero em conselhos administrativos.
“Temos um interesse em ver mais mulheres nos conselhos porque há dados mostrando que uma maior diversificação gera melhores decisões”, disse Donna, que trabalhava na Invesco antes da T. Rowe Price e que atua no campo da governança corporativa há vinte anos.
As tentativas dos fundos mútuos de alterar o comportamento de uma empresa usando a força do voto é um fenômeno relativamente recente. Décadas atrás, os poderosos investidores institucionais automaticamente aprovavam as decisões da gestão corporativa e dos conselhos; além disso, poucos executivos prestavam atenção às preocupações de seus acionistas.
“Naquela época, para cada 10 cartas que enviávamos, geralmente recebíamos resposta de metade; agora é 100%”, contou Donna. Hoje, empresas nas quais a T. Rowe Price possui grande participação chegam até mesmo a iniciar o contato.
Crise de 2008 foi divisor de águas
“A crise financeira de 2008 foi um momento de mudança para os acionistas”, disse Anne Sheehan, diretora de governança corporativa do Sistema de Aposentadoria de Professores do Estado da Califórnia, um fundo de pensão público.
Anne se juntou ao CalSTRS (na sigla em inglês), em outubro de 2008, no auge da crise financeira, após o colapso do Lehman Bros. “Vimos o impacto que a crise estava causando ao nosso portfólio”, disse ela.
A experiência foi um aprendizado. “Percebi isso como uma oportunidade para fazer nossa voz ser ouvida no debate. O que esses diretores estavam fazendo em nosso nome? Como os acionistas poderiam opinar?”, contou Anne.
“A crise trouxe de volta a prevalência do ‘Clube do Bolinha’ para a diretoria dessas empresas financeiras, o que resultou na forma de pensamento de um grupo”, acrescentou.
A equipe de governança corporativa do CalSTRS normalmente questiona as corporações sobre uma série de assuntos, incluindo a diversidade de gênero e as disparidades salariais entre os principais executivos e os empregados em cargos menores. “Ter mulheres em posição de governança ajuda a trazer essas questões à baila durante reuniões empresariais”, disse Anne.
“Isso me lembra do velho ditado: Se você quer que algo seja feito, coloque uma mulher no comando”, acrescentou.
Na BlackRock, Michelle Edkins e sua equipe de 30 integrantes analisam se determinados diretores corporativos estão recebendo salários muito altos e se ocupam seus cargos há muito tempo. Quando há algum problema, iniciam conversações com a empresa.
Michelle, que estudou Economia na Nova Zelândia e assumiu sua primeira posição na governança corporativa em 1997, ao responder a um anúncio no Financial Times, disse que as mulheres tendem a ser menos agressivas que os homens, facilitando a resolução de problemas e tentando corrigi-los dessa forma.
“Não nos encontramos com CEOs e dizemos como resolver questões. É um estilo diferente e, pelo que observo, esse desafio construtivo é mais natural nas mulheres.”
Mas, para alguns críticos, essa abordagem não está gerando mudanças com rapidez suficiente.
A BlackRock tem um histórico de votações contra a gestão empresarial, o que revela uma abordagem mais lenta na busca por mudanças. Por exemplo, na questão da remuneração dos executivos, durante o período mais recente, que terminou em 30 de junho de 2016, a BlackRock votou 96,3 por cento das vezes apoiando políticas de compensação em várias empresas das 500 da Standard & Poor’s, de acordo com a Proxy Insight.
Também votou contra todas as propostas de acionistas relativas à diversidade, meio ambiente, governança e preocupações sociais no último ano.
Há o receio de que, em relação ao assunto de gênero, as mulheres tenham menos propensão a trabalhar por uma maior diversidade. Algumas das que ocupam altos cargos de governança corporativa disseram que preferiam não levantar a questão em reuniões com a administração, achando que isso seria percebido como uma missão.
Mas alguns especialistas dizem que há um enorme potencial para que mulheres nessas posições causem uma mudança maior.
“Quando existe um ‘Clube da Luluzinha’ com autoridade na governança corporativa, há uma oportunidade para criar uma pauta para a maior diversidade, através de um meio formalizado”, disse Davis, da Universidade de Michigan.
Enquanto mulheres como Michelle Edkins lutam nos bastidores para trazer mais executivas para diretorias das grandes empresas americanas, estas enfrentam um desafio completamente diferente da diversidade: a falta de homens no campo da governança corporativa.
“É um detalhe contraditório dessa área financeira, mas quando contratamos, precisamos realmente buscar essa diversidade para nos certificarmos de que temos homens na cena”, disse Michelle.
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