O jogo que definiu o primeiro campeão brasileiro da Nova República é um retrato da sua época. O Bangu bancado pelo bicheiro carioca que premiava jogadas bonitas no treinamento com maços de dinheiro sacados do bolso do paletó. O Coritiba do presidente matreiro tentando ampliar o mapa do futebol nacional além dos eixos Rio-SP e Minas-Rio Grande. O Maracanã da geral que fazia do estádio o maior do mundo.
Dentro de campo, Bangu e Coritiba também sintetizavam o que era o futebol brasileiro de meados dos anos 80. Um futebol em crise de identidade, começando a sofrer com o dilema que o persegue até hoje: seguir a arte da derrotada, porém encantadora, seleção de 82 ou aderir ao pragmatismo típico do futebol europeu? Estes dois estilos duelaram ao longo de 120 minutos no Maracanã, entre a noite de 31 de julho e os primeiros minutos de 1º de agosto de 1985. O ofensivo Bangu contra o Coritiba do futebol de resultados.
Para mensurar este duelo, a Gazeta do Povo encomendou um exclusivo e inédito scout da decisão da Taça de Ouro. Na época, o uso de estatísticas no futebol brasileiro era raro e raso. Em transmissões de televisão, o máximo que se via eram números gerais, como finalizações, faltas, escanteios. Nada de mapas de desempenho, tempo de posse de bola ou outras medições feitas em qualquer partida do futebol atual. O levantamento foi feito pelo site Footstats e permite uma leitura mais profunda do jogo que fez do Coritiba campeão brasileiro de 1985.
Enquanto o Bangu ataca, o Coritiba segura o jogo
Apoiado por mais de 90 mil torcedores, o Bangu procurou o gol mais do que o Coritiba. Uma extensão na final do que tinham sido as duas campanhas. Mesmo em casa, quando precisou o Coxa ficou na defesa, esperando o momento certo de contra-atacar. Não seria diferente na decisão em jogo único, na casa do adversário.
O Bangu finalizou mais que o dobro de vezes que o Coritiba – 23 a 10. E com dificuldades para conseguir furar a sólida defesa alviverde, apelou aos chuveirinhos. Foram 50 tentativas, a maioria morrendo nas mãos do goleiro Rafael.
Para esfriar a pressão banguense, o Coritiba a bola por mais tempo (foram 17 segundos a mais de posse) e, quando necessário, apelava para as faltas. O Coxa cometeu 45 das 80 infrações do jogo. Um número elevado, com média de uma falta a cada um minuto e meio de partida. Reflexo muito maior da arbitragem de estilo juiz de basquete de Romualdo Arpi Filho (encostou, é falta) do que da violência dos jogadores. A consequência foi um tempo ridículo de bola rolando: 33 minutos e 45 segundos em duas horas de futebol.
A bola do Coritiba rolou pela esquerda. A do Bangu, pela direita
O gráfico acima mostra onde os times mais tiveram a bola e por onde concentraram seus ataques. O jogo do Bangu se concentrou do lado direito do campo. Era o escritório de Marinho, o craque, o camisa 7 que comprou três carros em 1985 – todos pagos por Castor de Andrade. Marinho foi quem mais driblou e finalizou no Bangu. O segundo que mais deu cruzamentos. Quase metade dos ataques banguenses foram pelo lado direito. Caminho quase único perante um Coritiba não deixava o adversário atacar pelo meio.
Dê mais uma olhada no gráfico – agora na parte verde. Mais de um terço da posse de bola do Coritiba foi dentro da sua área e à frente dela, pelo centro. Rafael foi o responsável por grande parte dessa posse de bola, mas também Heraldo e Almir, os responsáveis por controlar o jogo defensivo coxa-branca. Mais à frente, Tobi e Dida puxavam o jogo para o lado esquerdo. Na hora de contra-atacar, porém, a bola mudava de lado: esticadas para Lela ou Índio pelo centro. Curiosamente, o setor por onde o Coxa menos atacou foi o esquerdo. Lado de onde Índio fez o gol.
Coxa fecha a área e obriga o Bangu a chutar de longe
Outro indicativo da eficiência defensiva do Coritiba é o mapa de finalizações da decisão. Quase metade dos chutes do Bangu (10 de 23) são da entrada da área, tentativa que restava para tentar furar o bloqueio alviverde. Foi a partir de um chute de fora da área que os cariocas fizeram seu gol – a bola desvia em Lulinha pouco além da marca do pênalti.
Mesmo atacando poucas vezes pelo esquerdo, o Coritiba foi mais efetivo por aquele setor. Metade das dez finalizações do Coxa foram por esse lado – incluindo o gol de Índio. Até Lela caiu pelas costas de Márcio Nunes para tentar o gol. Vivendo de contra-ataque, o Coritiba pouco pisou na área do Bangu. Foram apenas três finalizações dali – duas cabeçadas de Lela e um arremate de Édson após passe de Dida.
Ninguém teve a bola mais tempo do que Rafael
Você já viu que o tempo de bola em jogo na final de 85 foi ínfimo. Pouco menos de 34 minutos em um universo de 120, fora os acréscimos. Mais estarrecedor ainda é que 10% deste tempo “útil” tenha sido gasto por um goleiro. Rafael ficou com a bola sob seu domínio por 3 minutos e 55 segundos. Culpa de uma regra específica, que só seria mudado nos anos 90. Naquele tempo, o goleiro podia pegar com as mãos a bola recuada. E o Coritiba abusou deste recurso. Basta ver no mapa de passes que o capitão Gomes tocou 12 vezes a bola para Rafael. Era a forma que o Coritiba tinha de esfriar o jogo. Quando saia da “casinha”, o Coxa entregava a bola para Dida – e do jovem lateral ela saía para o experiente Toby organizar o jogo ou para o ponta Édson levar o time ao ataque.
Do lado do Bangu, o carimbador era Márcio Nunes. A bola circulou 24 vezes entre ele e o meia Israel, principal articulador do time carioca.
Toby apanhou tanto que o gol só podia sair de uma falta sobre ele
Toby era o camisa 10 do Coritiba em um tempo que a camisa 10 era vestida por jogadores especiais. E o experiente meia justificou a honraria. Foi de seus pés que saíram as principais jogadas ofensivas do Coritiba. Quase sempre pela meia esquerda, de onde busca tabelas com Dida e Édson. Ciente do perigo que era deixar Toby libre, o Bangu bateu no camisa 10 do Coxa. Um terço das faltas cometidas pelos cariocas foram sobre Toby. Uma delas Índio transformou no gol alviverde.
Do lado alvirrubro, Ado dava mostrar de que estava sentindo o peso da final. Em um time que cruzou loucamente para a grande área, o ponta-esquerda contribuiu pouco para os chuveirinhos. Foi o responsável por 9 das 50 tentativas – seis delas erradas. Também falhou nas finalizações. Das três que tentou, somente uma foi no gol, defendida por Rafael. A mais importante – fora das estatísticas – foi o pênalti chutado para fora que abriu o caminho para o Coritiba sagrar-se campeão brasileiro.
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