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Existem dois tipos de Estado no Oriente Médio e no norte da África: "países reais", com tradições em seus territórios e fortes identidades nacionais (Egito, Tunísia, Marrocos e Irã), e aqueles que podem ser chamados de "tribos com bandeira" ou Estados artificiais, com fronteiras desenhadas pelas potências coloniais que encurralaram dentro de linhas retas uma miríade de tribos e grupos que jamais se dispuseram a morar juntas muito menos conseguiram formar uma família unificada de cidadãos. São eles Líbia, Iraque, Jordânia, Arábia Saudita, Síria, Bahrain, Iêmen, Kuwait, Catar e os Emirados Árabes Unidos.

As tribos e grupos que compõem esses Estados artificiais foram forçados a conviver – uma condição imposta pela mão de ferro das potências coloniais – com reis ou ditadores militares. Tais países não possuem "cidadãos" reais, no sentido mais moderno da expressão. A rotatividade democrática de poder é impossível, uma vez que cada tribo segue o lema "governe ou morra" – ou seja, ou a minha tribo ou grupo está no poder, ou estamos mortos.

Não é surpresa que as rebeliões democráticas do Oriente Médio começaram em três dos países reais, Irã, Egito e Tunísia, onde as populações são modernas, com grandes maiorias homogêneas que colocam a nação antes do grupo ou tribo e possuem confiança mútua suficiente para se reunir como uma família. Todavia, com o alastramento dessas revoluções e sua chegada até sociedades mais tribais e sectárias, fica difícil discernir onde acaba a luta pela democracia e o desejo de que "minha tribo assume o poder a partir do ponto em que a sua tribo o deixou".

No Bahrein, a minoria sunita, 30% da população, governa sobre a maioria xiita. Há muitos cidadãos miscigenados no país, meio sunitas e meio xiitas – os chamados sushis – que possuem modernas identidades políticas e aceitariam uma real democracia. Todavia, há também muitos barenitas que veem a vida no país como sendo uma guerra sectária, incluindo os linha-dura da família Al Khalifa, atualmente no poder e sem intenção de arriscar o futuro dos sunitas do país ao submetê-los a um governo da maioria xiita. Este é o motivo das armas terem sido levantadas lá tão cedo. É a regra do governe ou morra.

O Iraque nos ensina quanto custa para democratizar um grande país árabe tribal uma vez que o líder mão de ferro é deposto (no caso, pelos EUA). São necessários bilhões de dólares, 150 mil soldados, inúmeras baixas, uma guerra civil onde os dois lados têm de testar o poder um do outro. O processo de desarticulação, cujo nascimento foi facilitado pelos EUA, permitiu que diversos grupos e tribos iraquianos conseguissem escrever juntos sua própria constituição, que definiu como viveriam juntos sem um mão de ferro.

Permitir aos iraquianos que escrevessem seu próprio contrato social foi o ato mais importante dos EUA. Tal feito foi, na verdade, o experimento liberal mais importante na história árabe moderna, uma vez que mostrou que mesmo tribos com bandeiras têm a possibilidade de realizar a transição do sectarismo para uma democracia moderna.

Todos os outros estados árabes hoje enfrentam rebeliões – Iêmen, Síria, Bahrein e Líbia – e são como o Iraque – com guerras civis em standby. Alguns terão sorte e seus exércitos até talvez consigam realizar o papel de guias para se conquistar a democracia, mas seus governos não apostariam nisso.

Em outras palavras, a Líbia é apenas a ponta do iceberg de uma série de dilemas morais e estratégicos que virão à tona no momento que esses levantes árabes chegarem a tribos com bandeiras. Quero dar uma maneirada nas críticas a Barack Obama. Tudo isso é complicado e respeito o desejo do presidente de se evitar mortes em massa na Líbia.

Entretanto, acho que os EUA precisam ter mais cuidado. O que tornou o movimento democrático egípcio tão poderoso foi sua genuinidade. Centenas de jovens egípcios morreram em sua luta pela liberdade. Os EUA deveriam ser duplamente cautelosos ao interferirem em lugares que podem desmanchar em suas mãos, como o Iraque, especialmente quando os americanos não sabem, como no caso da Líbia, quem realmente são os grupos de oposição – movimentos pela democracia liderados pelas tribos ou tribos explorando a linguagem de democracia?

Por fim, e com tristeza, os EUA não podem arcar com os custos dessa operação. Os americanos possuem muito que fazer em seu próprio país. Se Obama está preparado para tomar algumas decisões grandes, difíceis e urgentes, não deveriam ser elas primeiramente sobre sua própria nação, e não a Líbia? Não deveria ele estar forjando uma real política energética que enfraqueça Kadafi e uma política orçamentária que garanta o sonho americano para as próximas gerações?

Tradução: Thiago Ferreira

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