O cabelo branco meio despenteado, o volume elevado da voz, um pouco rouca, para dar a ênfase de um discurso que se pretendia histórico.
Bernie Sanders, 74, o candidato “socialista democrata” que concorre à nomeação do Partido Democrata para a disputa pela Casa Branca no ano que vem, atribuiu a si mesmo uma tarefa, segundo ele, rara entre políticos.
Pregar para convertidos é “fácil”; pregar para quem pensa diferente é que é “difícil”, pensa ele.
Judeu, defensor de ideais socialistas, mas cuidadoso com o rótulo, Sanders falou a cerca de 12 mil estudantes evangélicos em uma universidade religiosa, no Estado da Virgínia, na segunda-feira (14). E foi ovacionado.
“As visões de diversos de vocês aqui na Universidade Liberty e a minha em questões importantes são muito, muito diferentes”, introduziu.
“Eu acredito nos direitos das mulheres [quatro segundos de aplausos] e no seu direito de controlar o próprio corpo [três segundos de aplausos]. Acredito no direito gay e no casamento gay [quatro segundos de aplausos]. Mas vim aqui hoje, porque acredito, do fundo do meu coração, que é importante que pessoas com opiniões diferentes sejam capazes de terem discussões civilizadas”, sustentou.
O contraste de opiniões a que o palestrante se referia ficou mesmo óbvio quando o moderador disse que a maioria dos cristãos concorda com Sanders que crianças devem ser protegidas, porém estendem o direito para enquanto ainda estão no útero. Aplausos duraram inéditos 27 segundos, mantidos por estudantes de pé, que ignoraram pedidos de silêncio.
Bíblia
Para defender o que chamou de “meio termo”, o pré-candidato fez uso de um recurso heterodoxo e citou a bíblia.
“Estou longe de ser um ser humano perfeito, mas sou motivado por uma visão que existe em todas as grandes religiões, no cristianismo, no judaísmo, no islã, no budismo e em outras religiões, e é dita de forma bonita e clara no [Evangelho de] Mateus, capítulo 7, versículo 12: ‘Tudo o que vós quereis que os homens vos façam, fazei-lho também vós’.”
O pré-candidato atacou o que considera excessivo e frequente em seus adversários, mesmo os correligionários, “muito barulho e muita piada”.
O seu discurso “sério” contra a concentração de riqueza nos Estados Unidos e a favor da garantia de direitos básicos como assistência de saúde universal tem atraído um público cada vez maior.
Uma série de pesquisas da rede ABC News em parceria com o “Washington Post” mostra uma curva expressivamente ascendente. Sanders tinha 5% das intenções de voto em março, passou a 10% em maio, a 12% em julho e dobrou para 24% em setembro, no último levantamento, publicado na segunda-feira (14).
O salto coincide com o momento de fragilidade que a líder da disputa no Partido Democrata enfrenta. Hillary Clinton viu a intenção de votos cair de 66% em março para 42% em setembro.
Levantamentos mostraram que Sanders venceria Clinton nos Estados de Iowa e New Hampshire.
A ex-primeira-dama não consegue superar uma polêmica que já vai ficando velha, mas ainda afeta sua aprovação.
Enquanto secretária de Estado da gestão Obama, ela usou uma conta de e-mail pessoal para tratar de assuntos de governo. Depois de passar meses tentando minimizar o ato, há alguns dias, Clinton foi a público pedir desculpas.
No partido, porém, alternativas começam a ser apresentadas. Nomes de peso como o do atual secretário de Estado, John Kerry, e o do vice-presidente, Joe Biden, são aventados.
A ascensão de Sanders, um político independente cuja pré-candidatura não era levada a sério, acendeu um sinal de alerta.
“Se os líderes partidários enxergarem um cenário, no próximo inverno, em que Bernie Sanders tenha chance real de indicação democrata, não há dúvida de que vão conversar com Biden, ou Kerry, ou mesmo com [o ex-vice presidente Al] Gore, para que entrem nas primárias”, disse, ao “New York Times”, Garnet Coleman, do comitê nacional do Partido Democrata.
Imigração
Nascido no bairro do Brooklyn, em Nova York, Sanders é filho de um judeu que fugiu da Polônia para escapar do holocausto. Formou-se em ciência política na Universidade de Chicago.
Trabalhou como carpinteiro e documentarista até ser eleito, em 1981, prefeito de Burlington, no Estado de Vermont, onde faria sua carreira política.
Em 2006, foi eleito senador federal, depois de 16 anos de atuação como deputado.
Sua pré-candidatura é comparada à de Donald Trump, o empresário bilionário também inicialmente subestimado que mantém certa distância do partido por cuja nomeação ele batalha, o Republicano.
Mais à esquerda que Clinton, Sanders faz contrapontos mais extremos a Trump salvo, ironicamente, pelo assunto mais polêmico da campanha até agora: a flexibilização da imigração.
Ainda que se diga favorável à regularização de 11 milhões de imigrantes ilegais, Sanders não acha prudente facilitar a entrada de cidadãos de outros países.
Num discurso em julho, o pré-candidato explicou: “Há uma razão para Wall Street e o setor empresarial defenderem uma reforma no sistema imigratório. E não é, do meu ponto de vista, porque eles estejam passando noites sem dormir preocupados com trabalhadores ilegais. O que eu acho que há por trás de seus interesses são as levas de mão de obra barata que puxará para baixo os salários dos americanos. E eu discordo disso frontalmente.
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