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Jing Yuechen, criadora de uma start-up chinesa, não está nem um pouco interessada em tirar o Partido Comunista do poder. Mas, recentemente, ela passou a amaldiçoar a política digital do país, quando tentou sem sucesso ver sites de compartilhamento de fotos, como o Flickr, e teve dificuldades para manter contato com os amigos que conheceu durante viagens à França, à Índia e a Cingapura no Facebook.

Usar o Gmail tornou-se quase impossível aqui, e as autoridades bloquearam o Astrill, software que Jing e outros chineses usavam para driblar as restrições na internet, apelidadas de "o Grande Firewall" por analistas de segurança ocidentais, numa referência à Grande Muralha da China ("great wall", em inglês).

Ao interferir no Astrill e em outras redes virtuais privadas (VPNs, na sigla em inglês), o governo complicou a vida de astrônomos chineses que buscam dados científicos no exterior, de designers gráficos que compram ilustrações e de estudantes que enviam pela internet solicitações de matrícula para universidades americanas.

Há muito tempo, a China impõe algumas das mais pesadas restrições ao uso da internet em todo o mundo. Mas, até recentemente, as autoridades toleravam a proliferação de VPNs.

No mês passado, porém, várias empresas mantenedoras de VPNs, como a StrongVPN e a Golden Frog, queixaram-se de que o governo chinês havia perturbado esses serviços com um nível de sofisticação sem precedentes. Então, pela primeira vez, uma autoridade admitiu a participação do governo nos ataques e prometeu outros.

A iniciativa de desativar VPNs provocou indignação entre videoartistas, empresários e professores. Eles dizem que o Partido Comunista, em sua busca pela chamada soberania cibernética —eufemismo de Pequim para a censura on-line—, está sufocando a inovação e a produtividade necessárias para reativar a economia do país, em fase de desaceleração.

As multinacionais também estão alarmadas com as crescentes restrições. Especialmente preocupante, dizem, é a nova regulamentação que obrigaria empresas estrangeiras de tecnologia e telecomunicações a abrirem seus equipamentos e programas ao escrutínio do governo e a armazenarem seus dados na própria China.

Assim como seus colegas chineses, os empresários ocidentais reclamam da impossibilidade de acessar vários serviços do Google desde meados de 2014. Semanas atrás, a China bloqueou o recebimento de mensagens do Gmail em aplicativos de smartphone fornecidos por terceiros, como Apple Mail ou Microsoft Outlook.

"Um resultado lamentável do controle excessivo sobre os e-mails e o tráfego de internet é o desaquecimento do comércio legítimo, e isso não é algo que interesse à China", disse James Zimmerman, presidente da Câmara Americana de Comércio na China.

Faz tempo que as autoridades chinesas dispõem de meios para interferir em VPNs, mas seu interesse em bloquear tais programas vem aumentando, principalmente desde que o presidente Xi Jinping assumiu o poder, há dois anos. Lu Wei, funcionário de propaganda que foi nomeado por Xi como um "czar" da internet, promove a ideia de que a China tem o direito de bloquear uma ampla variedade de conteúdos.

Um dos criadores do site Greatfire.org, que monitora a censura on-line, sugeriu que o governo teria chegado à conclusão de que a expansão de VPNs entre cidadãos comuns justificaria um ataque mais agressivo. "Esse é apenas um passo a mais", disse o empresário, que pediu anonimato. "As autoridades estão determinadas a estabelecer a soberania cibernética na China."

Autoridades governamentais negaram qualquer responsabilidade pelo bloqueio do Google.

Vários pesquisadores universitários chineses têm expressado sua irritação na internet, especialmente por não conseguirem usar o Google Scholar, ferramenta de busca que fornece links para milhões de trabalhos acadêmicos.

"É como se estivéssemos vivendo na Idade Média", reclamou o historiador naval Zhang Qian no serviço de microblog Sina Weibo.

A vasta maioria dos usuários chineses da internet, especialmente os que não são fluentes em inglês ou em outros idiomas, tem pouco interesse em saltar a muralha digital. Mas quem pleiteia acesso a conteúdos não censurados são as mesmíssimas pessoas com as quais Pequim conta para transformar sua economia, hoje baseada em produtos industriais baratos, em uma potência alimentada pela inovação empresarial.

"É como se estivéssemos desligando metade do nosso cérebro", disse a artista plástica Chin-Chin Wu, que morou uma década em Paris e promove seu trabalho on-line. "Acho que, no dia em que a informação do mundo exterior se tornar completamente inacessível na China, muitas pessoas irão embora."

Colaborou Chen Jiehao

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