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Lasheen Abdulla dirigia sua minivan branca pelas ruas de sua cidade natal, passando por carros destruídos em bombardeios, vitrines quebradas, e munição não detonada de morteiros. Por entre o acinzentado da destruição havia um pouco de cor: lençóis roxos pendurados para esconder atiradores curdos, que, durante meses, defenderam esta cidade dos extremistas do Estado Islâmico, também conhecido por EIIL ou EIIS.

Ela apontou para os pontos onde os mártires da sua cidade caíram — cinco ali, perto do muro cravado de balas de uma escola para meninas, seis outros ao lado dos escombros do que já foi um mercado de verduras ao ar livre.

As ruínas revelam cadáveres de combatentes curdos, suas cabeças cortadas. Mesmo as bonecas das crianças foram encontradas decapitadas, o que, segundo Lasheen, é um símbolo da crueldade de seus inimigos.

"Quando você vê sua cidade destruída assim, se sente destruída por dentro", disse Lasheen, que tem 43 anos, e que permaneceu em Kobani durante todo o cerco. Ela preparou muitos corpos de combatentes curdos para o enterro e disse que havia três mais na casa onde estava hospedada.

A devastação da cidade, causada pelo cerco do Estado Islâmico e pela campanha aérea americana que finalmente expulsou os militantes, é tão completa que parece quase irreal, como um set de filmagem.

Mesmo assim, agora que a cidade foi libertada, o orgulho da vitória supera a dor pelas perdas para os curdos que vivem aqui. Mesmo quando a batalha se desenrolava com seu resultado incerto, Kobani assumiu um status mítico — curdos a chamam de sua Stalingrado — como o lugar no qual os curdos esperavam construir uma pátria em meio à crise do Oriente Médio.

"Agora estou feliz por causa da vitória", disse Anwar Jarmesh, de 33 anos, que perdeu dois irmãos no combate. Ele fugiu para a Turquia, no auge do conflito, mas voltou para dar sua própria contribuição: lavar os corpos de combatentes. "Não nos importamos com dinheiro ou edifícios, só com a vitória. O Estado Islâmico não nos quebrou."

A batalha por Kobani, um posto na fronteira com a Turquia, começou em setembro. Mais de 700 ataques aéreos da coalizão liderada pelos americanos atingiram a cidade por quase cinco meses — mais do que em qualquer outro lugar na Síria ou o Iraque, onde o Estado Islâmico controla um vasto território que atravessa a fronteira entre os dois países.

Oficiais americanos disseram que Kobani se tornou importante para eles só porque é importante para o Estado Islâmico, que enviou reforços para a cidade e usou a batalha como um atrativo para recrutar jihadistas estrangeiros.

Quase 400 combatentes curdos morreram em Kobani, disseram as autoridades locais, mas mais de mil integrantes do Estado Islâmico foram mortos, muitos deles jihadistas do exterior, de acordo com o Observatório Sírio para os Direitos Humanos, um grupo de supervisão.

Apesar da destruição e dos perigos das bombas não detonadas e dos edifícios minados, havia pequenos sinais de que Kobani começava a despertar. Na rua, um grupo de crianças brincava na porta de casa. Sua tia, Fayhaa Hamza, as observava e disse que ela e as crianças haviam retornado há algumas semanas, e que queria agradecer ao presidente Barack Obama por ajudar a libertar a cidade.

"O EIIS atacava os sírios em todos os lugares, e só os curdos poderiam derrotá-lo", ela disse.

As cenas de destruição em Kobani são uma prévia do que ainda pode acontecer na guerra para vencer o Estado Islâmico. "Vai ser duro e demorado", disse o contra-almirante John Kirby, porta-voz militar americano.

Os curdos dizem que nunca aceitarão o domínio de estranhos — nem os árabes da Síria, que os tratam como cidadãos de segunda classe, nem os turcos, que os governaram durante o Império Otomano. Já existem planos para abrir uma escola em Kobani, onde serão ministradas aulas em língua curda.

Ao lado do portão que separa Kobani da Turquia, Mohammed Jarada, um combatente que guarda o posto, disse: "Isso significa que os curdos existem. Nós existimos."

Karam Shoumali e Eric Schmitt contribuíram

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