Michelle em frente ao abrigo usado durante os bombardeios: "A primeira coisa que fiz quando saí do abrigo foi ligar para minha família no Brasil e avisar que estava tudo bem"| Foto: Davide Schaumann/ Divulgação

Texto de Michelle Brodeschi, curitibana e doutora em Arquitetura. Ela vive em Haifa, uma cidade portuária no norte de Israel e hoje faz pós-doutorado no Instituto de Tecnologia de Israel, o Technion

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Os constantes conflitos e guerras contribuem para o caráter empreendedor israelense. Tanto homens como mulheres são convocados para o serviço militar. Isso faz com que eles aprendam a tomar decisões rápidas, com soluções criativas. Aproveitam as situações negativas para melhorar seus produtos e serviços. Dessas experiências problemáticas, surgiram alguns inventos como o Waze, aplicativo GPS comprado pelo Google que fornece informações em tempo real e informações de usuários e detalhes da rota.

Também foram engenheiros formados pelo Technion (Israel Institute of Technology, um dos mais importantes institutos de tecnologia do mundo) que desenvolveram o Domo de Ferro – sistema interceptador de mísseis, que tem protegido os israelenses.

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Acho importante que o mundo entenda que Israel não é sinônimo de guerra, mas sim um país que, entre muitas outras coisas, produz e contribui para a ciência e a tecnologia.

Ele tem um importante polo de tecnologia, situado em Haifa, numa região que eles chamam de "Silicon Wadi" (analogia ao Vale do Silício, na Califórnia). O parque tecnológico conta com empresas multinacionais líderes em pesquisa de desenvolvimento de alta tecnologia, como Google, Microsoft e Intel.

O motivo que trouxe essas empresas a Israel é o apoio à inovação. O governo israelense estimula os pesquisadores das universidades públicas a empreender. Muitos centros de ensino superior oferecem financiamento para o desenvolvimento de patentes e abertura de novos empreendimentos. A educação é prioridade no país, justificando assim a alta qualidade dos profissionais. Israel é ainda um dos países com a maior taxa de doutores per capita.

Ataques

Felizmente nesta região do país não tivemos tantos ataques como na região sul e central, nem como na segunda guerra contra o Líbano, em 2006. Em Tel Aviv onde morei até o início do ano, sim, meus amigos e familiares estão tendo de ir para os abrigos constantemente. De qualquer forma, temos também aqui instalações apropriadas para casos de bombardeio. Todos têm orientação para tomar um copo de água e ir calmamente (na medida do possível) para os abrigos. Tenho aqui do lado da minha sala um deles, por sorte em poucos metros já posso estar protegida.

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O trabalho aqui continua da mesma forma. Agora é período de férias letivas, já encerraram as aulas, mas nosso trabalho de pesquisa continua. Há menos movimento de estudantes, mas se fosse durante o curso acadêmico provavelmente notaríamos, como em outras ocasiões, um decréscimo no número de alunos, pois muitos deles são reservistas convocados pelo Exército.

Na última semana de aula, durante a apresentação dos projetos de graduação dos alunos, havia entre os expectadores alguns estudantes fardados. Eles chegaram para assistir aos colegas. Foi emocionante ver a alegria dos amigos ao vê-los chegando diretamente do front para prestigiar esse momento importante deles. Depois de assistir às apresentações, de dar abraços nos amigos, a única coisa que os soldados queriam era ir pra casa, tomar banho e descansar.

Quando as pessoas leem as noticias falando do "exército", os "soldados" como figuras sem identidade, para nós são irmãos, primos, alunos, vizinhos, amigos, tios e sobrinhos. Somos um país pequeno, como uma grande família. Esses soldados que são vistos com maus olhos são esses meninos de 18, 19 anos que, se estivessem no Brasil, estariam curtindo um churrasco com a turma da faculdade. Mas aqui a realidade é outra.

A volta

O problema agora é que muitos alunos perderam aulas e exames. A instituição está convocando voluntários para ajudar as pessoas que estiveram na reserva a recuperar os conteúdos perdidos e ajudá-los a dar sequência aos estudos. A questão é que muitos deles estão feridos e precisam de tempo de reabilitação. Algumas organizações estão mobilizando recursos para ajudar esses jovens, inclusive com auxilio psicológico.

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A sirene

A primeira vez que ouvi a sirene eram 3h30 da madrugada. Acordei muito assustada e fui direto para o quarto protegido. Lá, eu e meus amigos tivemos de esperar os dez minutos para sair. Meu colega, um pós-doutorando da Índia, não estava entendendo nada, mas naquele momento eu não estava muito disposta a explicar o que estava acontecendo, só queria que aquele pesadelo acabasse. Fechei rapidamente a chapa de ferro que protege a janela e a porta pesada do quarto.

A primeira coisa que fiz quando saí do abrigo foi ligar para minha família no Brasil e avisar que estava tudo bem. Logo começaram as mensagens por WhatsApp entre os amigos para saber como estavam todos. A adrenalina era tão grande que não tive mais como dormir.

Claro que as pessoas que vivem aqui desde sempre já estão acostumadas. Já não se assustam, encaram com mais naturalidade. É muito triste. Vejo como os bebês desde o jardim de infância já sabem que existe bunker, que existe sirene, que existem mísseis, que existe o Hamas.

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