Análise
Problema é político, diz especialista dos EUA
Há seca severa, mas este não é o principal motivo por trás da crise de fome que assola a Somália. A análise é de Abdi Ismail Samatar, professor da Universidade de Minessota, nos Estados Unidos. Nascido na Somália, naturalizou-se americano e pesquisa a África há 30 anos.
"A cada dois anos há uma seca. Nos últimos 50 anos, houve várias secas, mas elas nunca viraram uma crise de fome como esta, em que milhares morrem. Isso porque havia governos no país com capacidade de assistir as pessoas", disse ao jornal Folha de S.Paulo.
Para ele o que mudou nas últimas décadas foi a instabilidade política, depois da ocupação da Etiópia (2006-2008) e da "Guerra ao Terror" americana, que patrocinou e armou clãs locais contra grupos considerados terroristas, como a milícia Al Shabab.
EUA e ONU apoiaram a criação do Governo Federal Transitório (TFG), que desde 2006 administra parte do país. "É um dos regimes mais corruptos e incompetentes do mundo", diz Samatar.
"Sem um governo efetivo, as pessoas enfrentam a seca, mas não têm a quem recorrer. É a falta de assistência que criou a fome e não a seca em si." Ele culpa o Al Shabab, EUA, TFG e a ONU.
"Eles produziram a fome. Se a comunidade internacional quer ajudar é preciso alimentos, mas também ajudar a reconstruir um governo somali, competente e legítimo."
Mogadíscio - Kaltum Mohamed senta-se ao lado de um pequeno montinho de terra, perdida em seus pensamentos. Ali está enterrado o corpo de um de seus filhos. Mas este não foi o único que ela perdeu. Há menos de um mês, Kaltum era mãe de cinco crianças pequenas. Mas a fome que devasta a Somália levou quatro delas em apenas três semanas. Dos cinco filhos de Kaltum, somente uma menina restou. Os outros morreram de desnutrição crônica bem na sua frente, sem que nada pudesse ser feito, enquanto ela e o marido fugiam para Mogadiscio levando as crianças em uma desesperada tentativa de encontrar ajuda.
Como Kaltum, milhares de pais e mães choram a morte dos filhos perdidos para a fome na Somália e nos campos de refugiados estabelecidos em países vizinhos em meio à pior seca na região em 60 anos.
Mortes
A seca e a fome na Somália mataram, em apenas 90 dias, mais de 29 mil crianças com idades inferiores a 5 anos, de acordo com estimativas do governo dos EUA, no primeiro levantamento conhecido sobre o número de mortes provocadas pela crise alimentar na região do Chifre da África, lançado nesta semana.
A Organização das Nações Unidas (ONU) calcula que dezenas de milhares de pessoas tenham morrido em decorrência do atual período de seca. Além disso, 640 mil crianças somalis sofrem de desnutrição aguda, o que indica que o número de óbitos entre crianças pequenas aumentará ainda mais.
Kaltum e o marido tentaram deixar a área onde viviam, ao sul de Mogadiscio, a tempo de obter ajuda emergencial de alguma das poucas organizações humanitárias que operam na Somália. Eles iniciaram a jornada na região do Baixo Shabelle, declarada em estado de fome pela ONU em 20 de julho.
A família de Kaltum pertence a uma tribo de nômades pastores que perdeu todos os animais que criavam por causa da seca. Quando os filhos de Kaltum adoeceram, ela os levou a um hospital no Baixo Shabelle, mas não tinha dinheiro para pagar pelo tratamento.
Bloqueio
A situação na região atingida pela seca e a fome na África é gravada pelo fato que a maior parte da ajuda humanitária não chega aonde mais é necessária. O grupo extremista islâmico Al-Shabab controla a maior parte do sul da Somália, nega que haja fome na região e impede o acesso de quase todos as organizações humanitárias. Somente a Cruz Vermelha Internacional conseguiu autorização da milícia para operar no sul da Somália.
Nesta semana, o Comitê Internacional da Cruz Vermelha (CICV) anunciou planos de mais do que dobrar seu orçamento para alimentar a população da Somália, especialmente dezenas de milhares de crianças afetadas por uma mortífera combinação de seca, violência e instabilidade política interna. A Cruz Vermelha Internacional adverte que a taxa de desnutrição entre crianças com menos de 5 anos de idade encontra-se atualmente acima de 20% e não para de aumentar.
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