Toda segunda, pela manhã, os novatos fazem fila para receber orientações que vão ajudá-los no ambiente de trabalho peculiar da Amazon.
Segundo funcionários, eles ouvem que têm que esquecer os “maus hábitos” aprendidos em outros empregos e que, quando “dão de cara na parede” por causa do ritmo intenso, a solução é uma só: “subir a parede”. Eles são estimulados a trabalhar até muito tarde (chegam e-mails depois da meia-noite, seguidos de torpedos questionando a falta de resposta) e devem manter padrões que a companhia reconhece como “irracionalmente altos”.
A empresa, fundada e administrada por Jeff Bezos, está conduzindo um experimento pouco divulgado para saber qual o limite de seus executivos.
“Quando seu objetivo é chegar à Lua, a natureza do trabalho é realmente puxada. Nem todo mundo está preparado para isso”, afirma Susan Harker, principal recrutadora da Amazon.
Como Bo Olson. Ele durou menos de dois anos no departamento de marketing e lembra de ter visto muita gente chorando. “Você sai da sala de reuniões e vê um homem adulto cobrindo o rosto”, disse.
Pode parecer que a Amazon está na contramão da tendência de criar um ambiente de trabalho mais gentil e políticas mais humanas, como a generosa licença maternidade do Netflix. No entanto, segundo os especialistas, ainda hoje a competitividade feroz continua sendo a condição que melhor define o mundo do alto escalão de executivos.
Graças em parte a essa habilidade de extrair o máximo de seus empregados, a Amazon está mais forte do que nunca. Com 929 mil metros quadrados, sua sede aposta na habilidade de milhares de novos funcionários em vender qualquer coisa a qualquer um em qualquer lugar.
Há pouco tempo, a Amazon superou o Walmart como a maior empresa varejista dos EUA, avaliada em US$ 250 bilhões, segundo a Forbes. Bezos, que também é dono do jornal “The Washington Post”, é a quinta pessoa mais rica do planeta.
Milhões de norte-americanos conhecem a Amazon como clientes, mas a vida dentro de seus escritórios é um grande mistério. Até aqueles que ocupam cargos mais baixos assinam um contrato de confidencialidade abrangente. A empresa autorizou apenas alguns dos executivos mais antigos a falar conosco, recusando-se a dar acesso ao próprio Bezos e/ou quaisquer dos membros do alto escalão.
Apesar disso, mais de cem pessoas, entre ex-funcionários e empregados atuais, descreveram como tentam (ou tentaram) conciliar o aspecto às vezes punitivo do ambiente de trabalho com o que muitos descrevem como “um ritmo empolgante de criação”.
De acordo com pessoas que trabalharam na Amazon em seus primórdios, Bezos estava decidido, praticamente desde o momento em que criou a empresa, em 1994, a resistir às forças que, em sua opinião, minavam negócios com o tempo: burocracia, esbanjo nos gastos e falta de rigor.
Ao contrário de empresas cujas filosofias não passam de um punhado de chavões vagos, a Amazon tem regras que fazem parte de seu ritual diário. A diretriz de 14 passos reúne um império de funcionários de elite (graças ao princípio número 5: “Contrate e desenvolva os melhores”) que se livraram das forças que os impediam de dar o melhor de si.
Embora o prédio da Amazon pareça ser semelhante aos de outros gigantes da tecnologia — com escritórios que aceitam cachorros e uma mão de obra que pende para homens jovens —, a empresa é considerada um caso à parte.
Ainda que seu pacote de benefícios seja considerado competitivo, se espera “frugalidade” (número 9) dos funcionários. Isso inclui de mesas de escritório praticamente vazias a celulares e despesas relacionadas ao trabalho pagas do próprio bolso. O foco é na “obsessão com o cliente” (número 1), com palavras como “missão” para descrever a entrega ultrarrápida de Cocoa Krispies [cereal matinal] ou “paus de selfie”.
De todas as políticas gerenciais de Bezos, talvez a que mais se diferencie seja sua crença de que a harmonia é supervalorizada. Os empregados da Amazon são instruídos a “discordar e se engajar” (número 13) — e partir para cima das ideias dos colegas com feedbacks no mínimo dolorosos.“Sem dúvida seria muito mais fácil e socialmente coesivo o engajamento sem debate, mas isso poderia levar à tomada de decisões erradas”, afirma Tony Galbato, vice-presidente de RH.
Segundo alguns funcionários, o melhor da Amazon é oferecer um ambiente que valoriza o risco e reforça as ideias por meio de um verdadeiro teste de estresse. E até os novatos podem fazer grandes contribuições.
Stephenie Landry, executiva de operações, teve uma ideia para possibilitar a entrega de produtos a clientes urbanos em até uma hora. “O cliente, além de encontrar a boneca da Elsa [do filme “Frozen”], que já estava esgotada na cidade de Nova York, a recebia em casa em 23 minutos. Estamos tentando representar para o cliente a solução de uma necessidade prática. Nesse aspecto, a coisa toda é futurista e mágica”, explica ela, que foi autorizada pela empresa a falar.
Conforme os recém-chegados vão se acostumando com o novo ambiente, também eles se sentem deslumbrados, lisonjeados e intimidados com a imensa responsabilidade que a empresa coloca sobre seus ombros.
Muitos veteranos dizem que a cultura da empresa estimula a pessoa a destruir os limites entre a vida pessoal/profissional e a tentar impressionar uma corporação com um apetite insaciável: maratona de teleconferências no domingo de Páscoa, broncas dos chefes por não acessar à internet nas férias e horas e horas trabalhadas em casa, à noite e nos fins de semana.
Em 2013, Elizabeth Willet entrou na Amazon para gerenciar os vendedores de produtos para a casa. Depois que teve um filho, ela fez um trato com o chefe para estar no escritório todos os dias das sete da manhã às quatro e meia da tarde, pegar a criança e voltar ao laptop mais tarde.
No entanto, ela começou a ser criticada por sair muito cedo por meio da Anytime Feedback Tool, ferramenta interna que permite aos funcionários enviar críticas ou elogios aos colegas para a gerência.
Uma vez que os membros das equipes são avaliados, e os piores eliminados no fim do ano, é de interesse geral sempre se superar. Muitos confessaram fazer pactos para desestruturar uma determinada pessoa ou elogiar uns aos outros.
Várias mulheres atribuem a desigualdade entre sexos na Amazon — não há uma única diretora na empresa — ao sistema de competição e eliminação.
Como a moça que teve câncer de tireoide e recebeu uma avaliação baixa ao voltar do tratamento. Ela conta que seu gerente justificou a situação explicando que os colegas haviam dado duro enquanto ela esteve fora.
Ou a mulher que sofreu um aborto espontâneo de gêmeos e teve que fazer uma viagem de negócios um dia depois da cirurgia. “Desculpa, mas o trabalho ainda está aí e precisa ser feito”, disse-lhe então seu chefe.
Outra, que teve câncer de mama, entrou para o “plano de melhora de desempenho” — código para “você corre o risco de ser despedido(a)” — porque as “dificuldades de sua vida pessoal” tinham interferido em suas metas de trabalho.
Uma ex-gerente de RH disse que teve que fazer o mesmo com uma mulher que tinha acabado de voltar de uma cirurgia grave e outra que tinha dado à luz um natimorto.
Em carta aberta aos funcionários após a publicação deste artigo no “The New York Times”, Bezos disse que a empresa não vai tolerar “práticas de gestão insensíveis”. Ele escreve: “Não reconheço essa Amazon e realmente espero que vocês também não”.
Segundo pesquisa feita em 2013 pela PayScale, empresa de análise de salários, a permanência do empregado médio na companhia é de um ano, uma das mais curtas da Fortune 500. A administração afirma que o prazo é breve porque a contratação é maciça.
“O padrão de rotatividade da Amazon é claro e consistente devido ao número desproporcional de candidatos que disputam as vagas”, afirma Nimrod Hoofien, diretor de engenharia do Facebook e veterano da Amazon, em post recente.
Muitos empregados antigos e atuais garantem que essa rotatividade não é culpa do sistema, mas, sim, resultado de uma conclusão lógica: apesar de muitos funcionários serem admitidos, muitos acabam desistindo da empresa, deixando espaço para mais contratações.
“A Amazon consegue identificar e reter os melhores que passam pela empresa. É como garimpar ouro”, diz Vijay Ravindran, que trabalhou ali por sete anos, sendo os dois últimos na supervisão da tecnologia de saída.
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