Para o jovem cristão Ben Lowe, a revelação ocorreu às margens do lago Tanganica, na África. O aquecimento do lago estava reduzindo a produção pesqueira, as pessoas estavam passando fome —e Lowe conhecia os indícios científicos de que a culpa disso era da mudança climática.
Já para o reverendo Brian Sauder, a epifania aconteceu na faculdade. Ao estudar as consequências da degradação ambiental, ele aprendeu sobre pessoas pobres que precisavam caminhar mais a cada dia para colher lenha de florestas degradadas.
Para esses dois homens, deveres cristãos que na sua formação eram separados —cuidar da Terra e cuidar dos pobres— se fundiram em um só problema moral urgente. “Por que eu não fiz essa conexão antes?”, lembra-se Sauder de ter perguntado a si mesmo na época.
A abrangente encíclica recém-divulgada pelo papa Francisco pode se tornar um divisor de águas, destacando as questões de justiça social no centro da crise ambiental. Mas a mensagem pontifícia é, em certo sentido, simplesmente parte de uma mudança de mentalidade que ocorre há décadas.
Muitas religiões estão despertando para o fardo que a mudança climática acarreta aos pobres, buscando nas escrituras justificativas para cuidar melhor do ambiente. Há uma demanda cada vez maior, inclusive, por ecologistas que também sejam pessoas religiosas, já que eles são vistos como intérpretes entre esses dois campos que muitas vezes costumavam ver o mundo de formas radicalmente opostas.
“A ciência é como uma bússola”, disse o biólogo Nathaniel Hitt, especialista em pesca e membro da igreja presbiteriana de Shepherdstown, na Virgínia Ocidental. “Ela pode nos dizer onde está o norte, mas não é capaz de nos dizer se queremos ir para o norte. É aí que entra a nossa moral.”
Hitt e sua congregação recentemente instalaram painéis solares no telhado da igreja e interligaram seus aquecedores domésticos de água numa rede que deve ajudar a equilibrar as flutuações do sistema de energia renovável. Além disso, o grupo está estudando com afinco outras maneiras de reduzir as suas emissões de gases do efeito estufa.
Nos últimos anos, centenas de outras igrejas, mesquitas e sinagogas dos EUA instalaram painéis solares ou adaptaram seus edifícios para que consumissem menos energia.
Os políticos que tentam reduzir os incentivos ao uso de energias renováveis poderão se ver em atrito com pregadores. Brian Flory, pastor protestante em Fort Wayne (Indiana), recentemente contribuiu para o arquivamento de um projeto de lei restritivo no seu Estado, sob o argumento de que as igrejas teriam o direito de “gerar eletricidade a partir da luz do sol fornecida gratuitamente por Deus”.
Homens como Lowe e Sauder dedicam suas vidas a ajudar outras pessoas religiosas a compreenderem a ligação entre as alterações climáticas e os danos que elas causam aos pobres.
Sauder, ordenado na denominação menonita, é o diretor-executivo da instituição inter-religiosa Fé no Lugar, de Illinois, que ajuda templos a reduzirem suas emissões. Grupos semelhantes já surgiram em vários outros Estados dos EUA sob a bandeira de uma organização nacional chamada Força e Luz Inter-Religiosa.
Há dez anos, quando estava na faculdade, Lowe viajou ao lago Tanganica, onde estudou com uma ecologista chamada Catherine O’Reilly, autora de um estudo que demonstrava que o aumento da temperatura na água do lago estava esgotando os nutrientes próximos à superfície. Isso, por sua vez, prejudicava uma população de peixes que historicamente havia ajudado a alimentar milhões de pessoas. “Percebi que a mudança climática já estava tendo impactos, não apenas sobre a criação de Deus, mas também sobre muitos dos meus irmãos e irmãs ao redor do mundo”, disse Lowe.
A situação se agravou desde então, e a pesca excessiva provavelmente também contribuiu para isso, segundo O’Reilly, que hoje leciona na Universidade Estadual de Illinois. Ela visitou o lago no ano passado, “e o preço de uma pequena pilha de peixes aumentou dez vezes, o que é demais para as pessoas que estão vivendo da mão para a boca”, disse ela.
Depois de terminar a faculdade, Lowe ajudou a criar a ONG Jovens Evangélicos pela Ação Climática, da qual hoje é porta-voz. A organização se aliou a outros grupos religiosos e ambientalistas para promover uma mudança. Ainda assim, Lowe e outros ativistas ainda são vistos com desconfiança por muitos evangélicos.
Pesquisas sugerem que os evangélicos são o grupo religioso americano menos propenso a acreditar que o aquecimento global seja real ou provocado pelo homem. Muitos deles são politicamente conservadores e influenciados por grupos que questionam conclusões científicas sobre o clima.
Entre os cristãos e judeus, a discussão teológica frequentemente gira em torno da real intenção de Deus no primeiro capítulo do Gênesis, ao determinar que o ser humano “reine sobre os peixes do mar, sobre as aves dos céus, sobre os animais domésticos e sobre toda a terra, e sobre todos os répteis que se arrastam sobre a terra”.
Será que essa passagem implica que nada do que as pessoas fizerem será ambientalmente errado? Alguns políticos conservadores parecem interpretar esse versículo como uma garantia de que Deus não permitirá que os humanos destruam o seu único lar.
Mas, na encíclica, Francisco contesta esse ponto de vista, declarando não só que os humanos estão alterando o clima como também que o mandato de domínio abrange o dever de cuidar da criação.
Conservadores religiosos que se opõem ao ambientalismo salientam que o sucesso econômico está historicamente ligado ao uso de combustíveis fósseis.
Grupos liberais muitas vezes qualificam tal ponto de vista como tendencioso, mas essa é justamente a motivação de países como a Índia para não aceitarem limitações às suas emissões provocadas pela queima de combustíveis.
O objetivo declarado do movimento ambientalista é desfazer a associação entre os combustíveis fósseis e o sucesso econômico.
A maior questão hoje é se a crescente preocupação ambiental dos religiosos se traduzirá em maior pressão para que os governos encontrem formas de melhorar o custo, a confiabilidade e a difusão das matrizes energéticas com pouca emissão de carbono.
Neste mês, mais de 350 rabinos americanos divulgaram uma carta declarando que chegou a hora de agir. “Nossa esperança é que, mais de uma vez em nossa história, quando o país enfrentou o desafio de mudar, foram o compromisso moral, a aliança religiosa e a busca espiritual que se ergueram para fazer frente à necessidade.”
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