O limiar de aceitação da publicação de imagens escabrosas como as da morte de Muamar Kadafi vem caindo, à medida que a Internet e as mídias sociais tomam muitas das decisões editoriais que, no passado, ficavam a cargo de um grupo reduzido de jornalistas profissionais.
As imagens em vídeo tremido dos derradeiros momentos de vida de Kadafi foram um ponto final tão dramático na luta líbia de meses contra seu ex-ditador que muitas emissoras de televisão em todo o mundo se apressaram a transmitir tanto quanto era possível.
Na manhã da sexta-feira os jornais seguiram seu exemplo, alguns espalhando por suas primeiras páginas imagens explícitas do corpo ensanguentado do ex-líder líbio, enquanto outros optavam por imagens de tropas anti-Kadafi festejando a vitória ou imagens de arquivo de Gaddafi em sua época áurea.
No passado, mostrar imagens de uma pessoa nos estertores da morte era um tabu nas redações de jornais, mas agora até mesmo essa reserva vem cedendo diante da pressão da divulgação instantânea na Internet e, graças às imagens feitas por celulares, a disponibilidade crescente de imagens noticiosas fortes.
"Nos últimos dez anos todos os países vêm aceitando imagens mais brutais e chocantes", disse Kelly McBride, especialista em ética no centro de formação em jornalismo do Instituto Poynter, em St. Petersburg, Flórida.
Em muitos casos, disse ela, as organizações noticiosas hoje em dia não enfrentam mais a dúvida de publicar ou não uma imagem explícita, mas que é notícia, e sim a questão de como publicá-la.
"Os editores de veículos de mídia têm plena consciência de que essas imagens estão disponíveis de qualquer maneira", disse Ivor Gaber, professor de jornalismo político na City University, em Londres.
Imagens históricas
Steve Barrett, professor de comunicações na Universidade Westminster, em Londres, disse que não havia dúvida de que as imagens seriam usadas. "Foi um acontecimento importante na história mundial", disse ele. Mostrar o fato "não foi feito apenas para reforçar a audiência ou circulação".
Foi especialmente importante mostrar as imagens na Líbia e no Oriente Médio, já que a falta de tais provas fotográficas da morte de Osama bin Laden levou muitas pessoas na região a questionarem se o líder da Al Qaeda tinha sido morto de fato.
"Duvido que a grande maioria dos líbios, e possivelmente da população da região, vá fazer qualquer objeção às imagens", disse Hayat Alvi, professor de estudos do Oriente Médio na Faculdade de Guerra Naval dos EUA em Newport, Rhode Island.
Muitas emissoras de TV na Europa e Estados Unidos prefaciaram suas transmissões dos vídeos da morte de Kadafi com avisos claros de que seriam mostradas imagens chocantes.
As estações principais da Espanha e Bélgica não transmitiram avisos. O canal alemão ZDF mostrou algumas imagens em seu jornal televisivo noturno principal e depois disso: "Há outras imagens que não vamos mostrar. É uma questão de dignidade humana."
As primeiras páginas dos jornais europeus e americanos na manhã de sexta-feira mostraram diferenças ainda maiores no tratamento dado às imagens.
Nenhum grande jornal dos EUA publicou imagens de Kadafi à beira da morte em sua primeira página. Dos 424 jornais pesquisados pelo Newseum, um museu de jornalismo de Washington, apenas cerca de 25 publicaram na primeira página imagens de Kadafi morto ou à beira da morte.
Contrastando com isso, os jornais londrinos Daily Telegraph, Guardian e Sun espalharam imagens sinistras em suas primeiras páginas. O site do Guardian na Internet contrabalançou o fato com um editorial intitulado "Mesmo Muamar Kadafi merecia uma morte privada."
O Corriere della Sera, de Milão, publicou uma foto de Kadafi morto, com sangue escorrendo por seu peito nu. O De Morgen, em Bruxelas, cobriu sua primeira página com uma imagem dele agonizante, com a frase "o povo me ama".
Os jornais alemães foram mais discretos que a TV ZDF, mostrando poucas imagens sangrentas do ex-ditador. As páginas de frente francesas se dividiram igualmente entre a discrição e o desrespeito.
O Le Monde, de Paris, publicou em sua segunda página uma foto pequena, em preto e branco, do corpo seminu de Kadafi exposto em Misrata, enquanto o El País, de Madri, exibiu a mesma foto colorida e em tamanho grande em sua primeira página.