A abrupta e surpreendente mudança de tom de Donald Trump — anunciada num comício na noite de quinta-feira, em que ele se desculpou por possíveis ofensas que possa ter cometido com sua retórica inflamada — pode ser um indício da nova direção da campanha, mas parece não ter sido recebida com credibilidade. Ou pode ter vindo tarde demais, segundo analistas. Numa indicação das dificuldades que enfrenta nas pesquisas, Trump disse que “no calor dos debates e falando sobre um monte de assuntos, você não escolhe a palavra certa ou diz a coisa errada”. O mea-culpa — que não foi dito espontaneamente, e sim lido no teleprompter — ocorreu num comício em Charlotte, na Carolina do Norte, um dia depois de ele ter trocado pela segunda vez em dois meses o comando de sua campanha, e em meio ao fortalecimento da rival democrata, Hillary Clinton, a menos de 90 dias das eleições.
— Acreditem ou não, eu realmente lamento, particularmente onde possa ter causado dor às pessoas.
A declaração, vinda de um candidato que já disse que “se desculpar é muito difícil” e que a última vez que ele tinha pedido desculpas foi “há tantos anos que nem se lembrava”, causou surpresa. Mas não é a primeira vez que o republicano indica uma mudança e depois se contradiz.
A revista “Slate” classificou o discurso de “terrivelmente eficaz” e o site Vox falou sobre a “declaração mais convincente que ele já deu”. Mas muitos temem que a mudança seja tardia, já que, a 90 dias das eleições, as percepções sobre os candidatos já estão definidas. Para analistas, a eficácia da nova estratégia só será provada se ele conseguir se manter no rumo traçado.
— Ele conseguiu mostrar um Trump um pouco mais compreensivo, abordando algumas destas preocupações sobre seu temperamento — disse o pesquisador republicano Kristin Soltis Anderson, à Fox. — Mas continuamos esperando quanto tempo ele vai ser capaz de manter esta mensagem.
Comportamento
No início do ano, antes de ser nomeado, o magnata afirmou que começaria a agir de maneira mais “presidenciável”. Na noite da primária da Califórnia, em junho, deixou claro que entendia as responsabilidades de ser o candidato pelo Partido Republicano. Tudo isso antes da briga com os pais de um militar muçulmano morto no Iraque ou das insinuações de que Hillary poderia ser morta — polêmicas que o afetaram duramente nas pesquisas.
— As percepções sobre políticos são difíceis de mudar em menos de três meses. Especialmente quando são tão fortes sobre um candidato como são em relação a Trump — disse o analista Chris Cillizza, do “The Fix”, blog político do “Washington Post”. — Foi simplesmente muito pouco, e muito tarde. Trump desperdiçou bem mais da metade da campanha com uma estratégia petulante. Um único discurso não vai mudar isso.
Reação
A campanha de Hillary reagiu rápido, minimizando o pedido de desculpas. Uma pesquisa publicada ontem pela Reuters/Ipsos mostra a candidata com oito pontos percentuais de vantagem:
— Trump literalmente começou a campanha insultando as pessoas. E continuou a fazê-lo por cada um dos 428 dias desde então, sem vergonha ou arrependimento. São apenas frases bem escritas até que ele nos diga qual de seus muitos comentários ofensivos e separatistas lamenta e até que mude o tom de suas palavras — rebateu Christina Reynolds, vice-diretora de comunicações da democrata.
Hillary ainda anunciou que a Fundação Clinton não vai aceitar doações estrangeiras ou de corporações caso seja eleita — após ser criticada por fazê-lo quando era secretária de Estado, por um aparente choque de interesses.
Seu ex-assessor, Jehmu Greene, também duvidou da mensagem e disse que ela pareceria mais sincera se não fosse a presença da nova gerente de campanha, Kellyanne Conway, na equipe.
— Eu certamente teria preferido que fosse algo verdadeiramente de coração e não forçado por Kellyanne — disse à Fox.
A pesquisadora é um dos trunfos da nova equipe. Com um fraco e decadente desempenho nas pesquisas, Trump contratou ainda o ex-banqueiro Stephen Bannon, CEO do site conservador “Breitbart News”, como novo diretor-executivo.
E citado em um caso de corrupção, o presidente da campanha, Paul Manafort, entregou sua renúncia ontem, dias após ser rebaixado de função. Ele é citado como receptor de pagamentos em espécie por consultorias informais para o então presidente ucraniano pró-russo Viktor Yanukovych, próximo a Vladimir Putin. O FBI investiga o caso, segundo fontes.
Ameaça
Além de voltar a usar o teleprompter — que ele havia criticado publicamente — e tentar se desculpar, Trump veiculou seu primeiro anúncio na TV, medida que o partido pedia e o magnata havia ignorado. Ele ainda visitou, ontem, vítimas das enchentes na Louisiana, ato que a nova direção negou que fizesse parte da campanha.
Ao chegar ao local das inundações, Trump evitou o microfone. Mas, questionado sobre se havia feito um pedido de desculpas, disse que “muitos viram assim”.
— Eu realmente gostei do discurso. Acho que as pessoas também — afirmou a repórteres, aproveitando para alfinetar o presidente Barack Obama, de férias em Massachusetts. — O presidente diz que não quer vir, e está tentando sair de um jogo de golfe.
Na tarde de ontem, a Casa Branca anunciou que Obama irá ao local. Após deixar Louisiana, Trump foi ao Michigan, onde fez um apelo à comunidade negra.
— Vocês vivem na pobreza, suas escolas não são boas, 58% dos jovens estão desempregados. O que vocês têm a perder? — perguntou. — Nenhum grupo nos EUA sofreu mais com as políticas de Hillary que os negros.
Um fraco desempenho do magnata nas urnas também pode afetar as outras disputas eleitorais e se tornar uma ameaça direta ao controle republicano do Congresso — além de enfraquecer o domínio da legenda na Câmara. O que mais preocupa a sigla é a posição de Trump em três estados que poderiam determinar o controle do Senado: Pensilvânia, New Hampshire e Carolina do Norte.
— As pessoas estão ficando nervosas porque ele está em uma espiral de morte e ninguém sabe onde estará o fundo do poço — disse o senador Lindsey Graham.