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Friedmann Wendpap

Coisas que aprendi nos discos

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A vitrola Telesparker funcionava à pilha; num tubo de papelão se alinhavam quatro das grandes. As ondas curtas chegavam de Porto Alegre e de Londres. Rádio Guaíba e BBC ouvidas na casa. Fragmentos dos sons do noticiário e das músicas voam pela memória enquanto a imagem do aparelho fica estática como fotografia. A madeira clara, o dial do rádio, a tampa do compartimento do toca-disco. Ouvi Beatles ao vivo pela BBC ou estou imaginando coisas? Os discos do Sinatra, Nat King Cole, estão marcados seguramente na memória. Do Roberto, apenas os do período adulto, depois da Jovem Guarda, da qual tenho lembrança confusa entre o antigo e as imagens presentes evocadoras do passado. Também havia discos coloridos, com historinhas infantis; o da Dona Baratinha volta e meia parece tocar na minha cabeça, como se uma vitrola imaterial ainda estivesse em funcionamento.

O primeiro salário compra Krig-ha Bandolo, do Raul Seixas, e o Volume 4, do Black Sabbath. A vitrola, já velha, no volume máximo distorcia Wheels of Confusion produzindo chiadeira que parecia metal pesado. Pai, mãe, irmãos, vizinhos suportaram aquelas sessões de ruído hormonal da adolescência. Mosca na Sopa, Ouro de Tolo, Metamorfose Ambulante. O Raul, depois de ter passado fome por dois anos na cidade maravilhosa, consumir os domingos dando pipoca aos macacos, achava tudo isso um saco. As lembranças dão salto e as festinhas de garagem tinham melosidade ao estilo de Feelings rodando em fitas K7.

A poesia de Vinícius, Belchior, Chico, Caetano, Gil, mandava notícia pelo disco num tempo em que o Correio estava meio arisco. Versos, rimas ricas, melodia frasal, enriquecendo aproximações interessadas. Milhares de palavras para a prosa com mulheres. Compô-las de modo orquestrado, musical. Quanto a aprender nos discos! Angústia, sensação de timidez, de insignificância, na expectativa da receptividade do flerte. Sempre o auxílio luxuoso de um verso ao sonhar de madrugada, enquanto chove lá fora.

Noite alta. Continua chovendo lá fora. Ruídos perturbam o sono. Festa na vizinhança. O som é primal; exceto pela ausência de fogueira e tambores, ainda somos os mesmos e vivemos como nossos ancestrais. Fechar portas, cortinas. Se não pode vencê-los, una-se a eles e faça barulho. Tudo bem, mas com certo limite. A internet faz as vezes da radiola e traz música para o quarto enquanto imagino como as pessoas conversam nessas festas barulhentas. Num lugar desses não consigo escutar nem meus pensamentos. Talvez por surdez senil.

Clareia o dia e a entrega aos pensamentos dá contentamento ao navegar as palavras dos discos que rodam levantando o braço da agulha em ondas ritmadas, hipnóticas. Sei que assim falando pensas que esse devaneio é moda em 73, tempo em que se cantava uma canção do rádio que dizia que tudo é divino, maravilhoso. Viver é melhor que sonhar.

Vivemos a poesia que recitamos, a música que ouvimos.

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