As duplas sertanejas (autênticas ou "universitárias") fazem parte do imaginário brasileiro como exemplos da boa convivência entre irmãos. Mães sonham que seus filhos sejam canarinhos em duo para vencer na vida; mesmo que não haja parentesco, a amizade criativa, o respeito e apoio recíprocos operam como referência positiva para o grande público. Tonico e Tinoco, Milionário e Zé Rico, Pena Branca e Xavantinho, Xitãozinho e Xororó. É verdade, a onomástica antiga foi substituída por nomes pretensamente mais sofisticados para os ouvintes urbanos: Leandro e Leonardo, Ralf e Christian, Victor e Léo, Zezé di Camargo e Luciano.
A morte de Leandro em 1998 deixou a sensação de que o sonho acabaria. Trabalhadores em plantação de tomate, ao se unir geraram energia que magnetizava os fãs. A voz solo de Leonardo é primorosa, mas o fim da dupla quebrou o encanto que atraia multidões. No palco, apenas um excelente cantor, não a parceria entre irmãos a representar o ideal de companheirismo. Também canários-da-terra de Goiás, Zezé di Camargo e Luciano passaram a encarnar intensamente o sonho de fraternidade e sucesso. A saga da roça em Pirenópolis ao estrelato foi narrada em melodrama que arrancou lágrimas do ex-presidente, a bordo do avião oficial, assistindo à cópia pirata. O Brasil chorou junto, ainda que o tenha feito vendo cópias autênticas. Na história, os ingredientes da solidariedade entre irmãos, de admiração pela honestidade do pai e o amor incondicional da mãe, a tragédia pela morte acidental, as apresentações em botecos infectos e a fama com a música É o Amor. Eles salvaram os fãs da orfandade, deram sobrevida ao sonho.
Súbito, uma nuvem de lágrima sobre meus olhos: os dois brigaram em pleno palco. Epifania, aparição de pessoas de carne e osso, no lugar dos mitos da convivência harmoniosa. Plastificações, esticamentos faciais, alguma monotonia nos versos, nada disso é problema. A iconoclastia é imperdoável. Bons moços não brigam; mantém a fleuma porque têm o dever de manter viva a imagem de serenidade e afeição recíprocas. Os barraqueiros que me perdoem, mas pose é fundamental. A roupa-suja é a parte humana dos mitos e deve ficar na privacidade. O relacionamento amistoso e profundo que marca os duos sertanejos é aragem fresca no mormaço sufocante da vida real. Viver entre tapas e beijos é bom só pra fazer música!
A música? Bem, a melodia do Rancho Fundo, Luar do Sertão, capim mascado do boi, menino na porteira, foi substituída pela dor do abandono, da traição das messalinas que povoam as estrofes e deixam fios de cabelo no paletó. Até aí, tudo bem! Porém, obscenidades e palavrões em rodeios de Barretos são cantadas por sertanejos que ficam próximos do pornofunk. Parece que a queda dos mitos é acompanhada pela destruição do gênero musical. A aura de vida simples, bucólica, carregada de melancolia e saudade, típica da música do sertão é destroçada pela rudeza chula de palavreado que jamais sairia da boca de um caboclo.
Porre de álcool com remédios! Huumm, isso é coisa de roqueiro vida torta.
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