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 | Gilberto Yamamoto
| Foto: Gilberto Yamamoto

As duplas sertanejas (autênticas ou "universitárias") fazem parte do imaginário brasileiro como exemplos da boa convivência entre irmãos. Mães sonham que seus filhos sejam canarinhos em duo para vencer na vida; mesmo que não haja parentesco, a amizade criativa, o respeito e apoio recíprocos operam como referência positiva para o grande público. Tonico e Tinoco, Milionário e Zé Rico, Pena Branca e Xavantinho, Xitãozinho e Xororó. É verdade, a onomástica antiga foi substituída por nomes pretensamente mais sofisticados para os ouvintes urbanos: Leandro e Leonardo, Ralf e Christian, Victor e Léo, Zezé di Camargo e Luciano.

A morte de Leandro em 1998 deixou a sensação de que o sonho acabaria. Trabalhadores em plantação de tomate, ao se unir geraram energia que magnetizava os fãs. A voz solo de Leonardo é primorosa, mas o fim da dupla quebrou o encanto que atraia multidões. No palco, apenas um excelente cantor, não a parceria entre irmãos a representar o ideal de companheirismo. Também canários-da-terra de Goiás, Zezé di Camargo e Luciano passaram a encarnar intensamente o sonho de fraternidade e sucesso. A saga da roça em Pirenópolis ao estrelato foi narrada em melodrama que arrancou lágrimas do ex-presidente, a bordo do avião oficial, assistindo à cópia pirata. O Brasil chorou junto, ainda que o tenha feito vendo cópias autênticas. Na história, os ingredientes da solidariedade entre irmãos, de admiração pela honestidade do pai e o amor incondicional da mãe, a tragédia pela morte acidental, as apresentações em botecos infectos e a fama com a música É o Amor. Eles salvaram os fãs da orfandade, deram sobrevida ao sonho.

Súbito, uma nuvem de lágrima sobre meus olhos: os dois brigaram em pleno palco. Epifania, aparição de pessoas de carne e osso, no lugar dos mitos da convivência harmoniosa. Plastificações, esticamentos faciais, alguma monotonia nos versos, nada disso é problema. A iconoclastia é imperdoável. Bons moços não brigam; mantém a fleuma porque têm o dever de manter viva a imagem de serenidade e afeição recíprocas. Os barraqueiros que me perdoem, mas pose é fundamental. A roupa-suja é a parte humana dos mitos e deve ficar na privacidade. O relacionamento amistoso e profundo que marca os duos sertanejos é aragem fresca no mormaço sufocante da vida real. Viver entre tapas e beijos é bom só pra fazer música!

A música? Bem, a melodia do Rancho Fundo, Luar do Sertão, capim mascado do boi, menino na porteira, foi substituída pela dor do abandono, da traição das messalinas que povoam as estrofes e deixam fios de cabelo no paletó. Até aí, tudo bem! Porém, obscenidades e palavrões em rodeios de Barretos são cantadas por sertanejos que ficam próximos do pornofunk. Parece que a queda dos mitos é acompanhada pela destruição do gênero musical. A aura de vida simples, bucólica, carregada de melancolia e saudade, típica da música do sertão é destroçada pela rudeza chula de palavreado que jamais sairia da boca de um caboclo.

Porre de álcool com remédios! Huumm, isso é coisa de roqueiro vida torta.

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