Para designar os cinco lustros da Constituição Federal, pensei em usar a expressão primeiro quartel de um século. A riqueza conotativa quase me levou a fazê-lo. Recuei ao me lembrar que na astrologia se usa quartil e, por termos mais sorte que juízo, uma palavra esotérica seria ótima para abrir a tessitura das ideias sobre a efeméride do dia 5 de outubro.
Cada mês tem as suas datas. A relevância está na opção religiosa, política, cívica. Nos anos 70 e 80, o dia 8 de outubro remetia à morte de Guevara em 67, um dos estopins da agitação de 68. O feriado do dia 12 foi instituído em 1980, como demonstração de catolicismo para a primeira visita do papa João Paulo II; até então era só o Dia da Criança e, ao meio-dia, as cidades do interior paravam para o espocar de fogos de saudação a Nossa Senhora Aparecida. Em outubro de 1917, a primeira revolução marxista tomava o poder na Rússia, abrindo o século 20, como anotou Hobsbawm.
Houve tantas constituições que a vigente parece duradoura até a próxima. Essa sensação de provisoriedade dos arranjos de convivência política talvez explique a escassa valorização do dia 5 de outubro, dia da nossa maioridade política. É verdade que em ocasiões anteriores havia a impressão de que as coisas estavam bem e sairíamos dos arroubos juvenis, quase infantis, de país irresponsável, incapaz de se estabilizar e desenvolver. Mas 1988 foi especial, tanto que esses breves 25 anos são o período mais longo da República sem ameaça de golpe de Estado, quartelada, ruptura institucional.
Quem vive hoje acha desastroso: Collor, inflação, mensalão, corrupção generalizada. Nossos bisavós ficariam maravilhados com o fato de que fazemos eleições regulares, políticos corruptos são condenados no âmbito penal (e muitos, na improbidade administrativa); juízes venais são afastados da magistratura, promotores de Justiça imorais recebem cartão vermelho. Policiais violentos vão a julgamento. Tudo conforme o devido processo legal. Não está bom. Mas não é o pior dos mundos se cotejado com o passado recente.
O progresso civilizatório que vivenciamos tem múltiplas causas, inclusive o fim da Guerra Fria, que eliminou a tensão provocada pela constante tentativa de golpe comunista que nos levaria de vez à condição de república bananeira. O atraso do golpe anticomunista de 64 ainda não foi superado integralmente, porque teríamos nos tornado adultos mais cedo se o processo político tivesse seguido curso dentro das regras usuais da democracia: eleições periódicas e alternância dos grupos e ideias no poder. Se direita e esquerda houvessem chegado e saído do topo pelo voto, quem sabe seríamos os expoentes dos povos latinos no clube dos poderosos do planeta.
A imagem de Ulysses Guimarães erguendo exemplar do texto constitucional na data da promulgação ainda está na memória. Na semana vindoura, argumentarei que estamos sendo bem sucedidos, apesar dos defeitos estruturais da Constituição jurídica feita em 88. Como planta de construção e manual de uso do prédio, ela é confusa, ambígua, mal resolvida, minuciosa em alguns aspectos e omissa em outros.
De acordo com o horóscopo, será boa semana para debates.
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