“Amigo do meu amigo é meu amigo, amigo do meu inimigo é meu inimigo e inimigo do meu inimigo é meu amigo.” É desta estranha correlação entre amizades e inimizades, consagrada na sabedoria popular, que parecem nascer os esquemas de mútua proteção cada vez mais claros envolvendo o PT e o PMDB – ou, mais especificamente, a presidente Dilma Rousseff, o ex-presidente Lula e os presidentes da Câmara e do Senado, deputado Eduardo Cunha e senador Renan Calheiros.
Nos últimos dias, os sinais de um “acordão” soaram com mais clareza. Em encontro do PT realizado em São Paulo, Lula pediu ao partido que propiciasse a Cunha todas as oportunidades de ampla defesa frente ao bombardeio de denúncias que pesam sobre o presidente da Câmara. A boa vontade do PT deveria ser estendida também aos demais investigados pela Procuradoria-Geral da República no âmbito da Operação Lava Jato, igualmente por práticas de propinagem no petrolão, dentre os quais o senador Renan Calheiros.
Todos jogam uns com (ou contra) os outros para que cada um saia ileso das teias que envolvem suas reputações e mandatos
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Esperto, Cunha se faz de inimigo de Dilma ao manter sobre sua cabeça a ameaça de impeachment, sabendo, contudo, que esta arma – que alguns definiriam como chantagem – pode lhe assegurar votos salvadores na Comissão de Ética e no plenário da Câmara, foros aos quais pode ser levado por desrespeito ao decoro parlamentar. Seus inimigos, desta forma, se transmutam em amigos.
Assim como os peemedebistas aliados de Cunha igualmente ajudam a proteger petistas e assemelhados. Graças ao empenho deles (e dos petistas fiéis), duas CPIs – a do BNDES e a do Carf – rejeitaram requerimentos de convocação para que três ex-ministros (petistas) de Lula e Dilma explicassem suspeitas que recaem sobre eles, relativas ao envolvimento em traquitanas de empréstimos privilegiados, de perdões tributários e de tráfico de influência para que fosse editada, em 2009, uma MP sob medida para beneficiar a indústria automobilística.
Com isso, os ex-ministros Antonio Palocci, Gilberto Carvalho e Erenice Guerra livraram-se do incômodo de comparecer às CPIs. Da mesma sorte compartilhou um filho de Lula, Luís Cláudio Lula da Silva, que não mais precisará explicar às comissões de inquérito as razões que levaram um lobista do setor automobilístico a pagar R$ 1,5 milhão por serviços prestados pela LFT, uma pequeníssima empresa de consultoria em educação física, de propriedade do caçula.
Na aparência e conforme as oportunidades, ora são amigos, ora inimigos. Todos jogam uns com (ou contra) os outros para que cada um saia ileso das teias que envolvem suas reputações e mandatos. Enquanto este espetáculo de hipocrisias políticas se desenrola nas altas esferas, o país indefeso se vê mergulhado na paralisia administrativa e no desarranjo econômico e fiscal que o levam à inflação de quase dois dígitos, à recessão, ao desemprego em massa.
A oposição a tudo vê, mas prefere se fingir de morta. No máximo, ocupa cadeiras na “geral” para torcer para um lado ou para outro, também de conformidade com as conveniências que o momento venha a lhes exigir. Difícil enxergar na postura dicotômica ou ciclotímica da oposição um apreço sincero para que o Brasil supere a crise com a rapidez e a sabedoria necessárias.
As bandeiras brancas que se levantam dos dois lados pseudoinimigos – aí incluídos os que militam na oposição – fazem estragos múltiplos e profundos, na medida em que simbolizam tentativas de desmoralizar as instituições e de consagrar a impunidade geral e irrestrita. A conclusão parece ser uma só: os inimigos somos apenas nós, o povo.