Itajaí, SC - A vida segue silenciosa na casa de Gisele Reichart, de 27 anos. Às 13h30 da última terça-feira, ela cavucava a terra de seu jardim para plantar um arbusto torto. Moradora do Alto do Baú, área brutalmente devastada pelas chuvas que atingiram Santa Catarina em novembro do ano passado, Gisele quase não fala. Muito menos seus filhos, Vítor e Matheus, de 7 e 2 anos, que perambulam na casa sem brincar, sem correr, sem rir, sem chorar, sem soltar um pio.

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"Isso aqui significa muito para todos nós", diz a moça. O arbusto, acanhado no meio de tantas árvores maiores e mais graciosas, é o que Gisele tem hoje de mais bonito e precioso. Ele estava plantado na porta do sobrado de sua mãe, morta no deslizamento de um morro. O mesmo desabamento ainda matou outros seis parentes; a irmã, dois tios, duas primas e o cunhado.

A catástrofe que começou no dia 22 de novembro do ano passado e que deixou 137 mortos teima em não passar para milhares de famílias catarinenses. A lama secou, o mato cresceu, as câmeras de tevê se foram e o comércio retomou suas atividades. Mas, exatos quatro meses depois, ainda há 2.637 pessoas morando em abrigos e outras 9.390 vivendo de aluguel ou de favor na casa de parentes e de amigos. O dinheiro do governo federal para a reconstrução das residências ainda não chegou.

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Consertos nas estradas ainda não foram feitos. As famílias de Larissa Schawanbach, de 11 meses, e de Erna Cypriano, de 79 anos, ainda não puderem nem mesmo fazer um funeral e enterrá-las, uma vez que os bombeiros abandonaram as buscas há cerca de um mês sem encontrar os corpos. São famílias e mais famílias paralisadas no tempo, que buscam em pequenas coisas do dia a dia a força necessária para reerguer seus tetos e suas vidas.

Comunidades mais isoladas de Ilhota, Gaspar, Belchior e Luís Alves, em uma região conhecida como Morro do Baú, parecem agora bairros-fantasmas, sem barulho e sem nenhuma pessoa andando nas ruas. Numerosas casas foram condenadas pela Defesa Civil, que escreveu a letra "C" maiúscula na fachada de inúmeras delas para deixar bem claro o perigo que ainda existe nas áreas de encosta. Janelas e portas estão trancadas, móveis foram retirados, anos de dedicação, deixados para trás.

"É extremamente difícil o trabalho de reconstrução, porque em muitas cidades não sobrou quase nada", diz Jaime Lehmkuhel, garçom de 45 anos que teve a casa condenada em Blumenau. Sem aguentar mais dividir cômodos temporários com outros desabrigados da região, ele usou todas as economias para comprar um sobrado na periferia da cidade, que também foi invadido pela terra, mas não corre o risco de desabar.

Agora, Jaime, sua mulher, Gorete, de 40 anos, e os filhos, Kevin e Janine, de 13 e 5 anos, trabalham das 15 às 19 horas todos os dias para reerguer suas vidas. "Paguei R$ 35 mil, mas é melhor do que continuar em abrigo ou ficar alugando a casa de alguém", diz. "Precisamos retomar nossas rotinas, e o único jeito de fazer isso é descruzar os braços. Não adianta ficar esperando ajuda, tem de ir atrás. É só dar as ferramentas para a gente, tirar a burocracia do caminho, que a gente coloca a vida em pé de novo."

Em Ilhota, a família Martendal, mesmo com a destruição total da sua indústria de conservas de palmito, continuou pagando em dia o salário dos 15 funcionários. Agora, donos e empregados constroem juntos uma nova fábrica.

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"Não adianta ficar lamentando", diz Ademir Martendal, que aprendeu na marra o novo ofício de servente de obras. "O trabalho faz esquecer a tragédia e também ajuda a multiplicar as mudanças. É uma nova vida, diferente da que a gente tinha antes, claro, mas ainda cheia de coisas boas."

Há, sim, muito espaço para o otimismo. A liberação do saque de quase R$ 1 bilhão do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) em 14 municípios já garante vários focos de reconstrução. O Sindicato da Indústria da Construção Civil e imobiliárias registraram neste primeiro trimestre um aumento de 20% a 50% no preço dos terrenos.

A injeção do FGTS não só deu esperança a 305 mil trabalhadores como também está ajudando a movimentar toda a rede que envolve os 980 mil moradores da região.