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Sempre lembro de mim no passado como um daqueles sujeitos elétricos que sobem escadas de três em três degraus e chegam assobiando; magro e seco, costelas saltadas na pele branca, nem as ideias pesavam. Súbito, na virada dos 50 (na verdade na dos 40, mas sou distraído e não percebi), uma medonha conspiração começou a me encher implacavelmente de peso, barriga, gordura, canseira, torcicolo, mau-humor, preguiça – comecei a viver de arrasto, sempre louco para ficar quieto num canto lendo um livro. O mundo é que não deixa, me puxando para tudo quanto é canto, na dura sobrevivência. Quando parei de fumar, há 13 anos, achei que, agora sim, seria saudável para sempre.

CARREGANDO :)

Melhorou um pouco, é verdade, mas é preciso se mexer – é o que todo mundo me diz. Nada de ficar vendo televisão deitado, pilotando o controle remoto. Nada de passar horas fazendo coisa nenhuma diante do computador, nessa volta disfarçada à infância, com brinquedinhos de pilhas. É preciso andar! Logo eu, que já escolhi morar perto do trabalho para não ter de andar muito. Não adianta argumentar que a minha profissão na vida real – dar aulas – já é exercício suficiente. Jamais dei uma aula sentado. Ando quilômetros pela sala em 50 minutos. Mas é preciso muito mais que isso.

Comecei minhas caminhadas no Parque São Lourenço. Ainda eram exercícios esportivos demais, digamos assim, sem aquela consistência obsessiva dos verdadeiros atletas, sempre testando o limite do pobre corpo, que chora. Depois de uma curta temporada no Passeio Público, descobri agora o Jardim Botânico que, embora barulhento, descansa os olhos. E há subidas e descidas. Resolvi me autoprofissionalizar. Comprei (pela internet, é claro) um contador de passos e de batidas do coração, com um design moderno, que prendo na cintura (cada vez mais ampla). O aparelhinho veio com um livro cheio de utilidades inescrutáveis. Mas eu só uso três: o tempo da caminhada (comecei com 45 minutos e agora já chego aos 55 com razoável facilidade), o número de passos (na última ultrapassei os 2.322 passos, se bem me lembro) e a batida do coração, que varia bastante, ao sabor do dedão no sensor. Aparece às vezes um bonequinho sorrindo. Deve ser o padrão de fábrica para agradar o freguês. Estou com grandes esperanças. Acho que em breve vou conseguir de novo subir escadas de três em três degraus, o grande teste. Melhor não. Sem exagero: apenas subir escadas já está de bom tamanho. Bem, meu ídolo – e não só literário – é Dalton Trevisan, que, sábio, fala pouco e caminha muito. Eu tenho falado muito e caminhado pouco. Já fiz grandes projetos de ano-novo, que deram em nada; desta vez serei modesto – só umas boas caminhadas em 2009, para reformatar o corpo e a alma. Enquanto isso, olho pela janela, aflito, já de tênis, bermuda, camiseta: será que vai chover?

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Cristovão Tezza é escritor.