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Não, leitor amável, não é uma metáfora: eu estou realmente no Piauí: em Teresina, convidado do Salão do Livro. Peguei um ônibus aéreo em Curitiba, com 13 graus, e rompi os céus em direção a Salvador; de lá, disparamos para Fortaleza, onde fiz a conexão. Entrei em outro busão carregado e desci à meia-noite em Teresina, com espírito patriota – como o Brasil é grande! Atravessei uma Europa!

A recepção foi calorosa, em todos os sentidos: 30 graus!, mais a gentileza do pessoal de apoio do Salão do Livro, que já tem dez anos de vida e hoje está internacional. Deixaram-me no hotel, onde mergulhei no ar condicionado e dormi sem sonhos. Manhã de sábado, café tomado, fui passear sem rumo, o que sempre faço. Em meia quadra comecei a suar. O calor é brabo. Como em toda parte, também no Piauí o Brasil vive em voz alta: ônibus, motos, igrejas, lojas, pipoca, barulho, música e comércio, um mar de gente, alto-falantes e carros. Mas em nenhum momento me pedem esmola, o que, habitante de Curitiba, me surpreende.

Perco-me numa praça, quase entro num shopping popular, circulo entre fachadas antigas e placas comerciais gigantescas, contemplo o metrô aéreo – Teresina tem uma linha de metrô – e, decididamente sem vocação para turista, suado e cansado, todo curitibano é um Dr. Livingstone perdido no mundo, volto sedento ao hotel, dobrando 15 quadras à esquerda e à direita. No caminho, dou de cara com um rio imenso, silencioso e tranquilo, cortando o verde pálido das margens, uma ponte bonita adiante – e, olhos nas águas, me concentro alguns minutos neste Brasil profundo, natural, lento e indiferente.

No almoço, depois de atravessar a cidade por uma avenida bem cuidada, com espaço generoso para pedestres, experimento a melhor carne de sol do mundo (é verdade!), bebo cajuína gelada e converso com a brava equipe que vem tocando o Salão do Livro e fazendo do evento uma referência importante deste estado quase inverossímil no imaginário brasileiro, como uma utopia às avessas. Em algum momento, colou-se no Piauí a imagem do atraso, quase uma síntese do país, o que, no panorama nordestino, é injusto. Há números paradoxais: o Piauí tem o terceiro pior índice de desenvolvimento humano entre os estados brasileiros e, ao mesmo tempo, a menor mortalidade infantil e o menor número de homicídios da Região Nordeste. E uma agitação cultural respeitável, de que a bem-humorada revista Revestrés é prova.

À noite, o trabalho – uma conversa sobre literatura no belo Teatro 4 de Setembro, inaugurado em 1894, projeto de um alemão perdido no Piauí. E a casa cheia – sempre me espanta esta valorização crescente do livro no ideário cultural do país, em toda parte, para recuperar décadas de atraso. Na praça em frente, espalham-se as tendas do Salão do Livro, por onde o povo circula livre e sem pagar entrada – o segredo da boa feira.

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