O grão-mestre da confraria secreta da qual sou o secretário-geral me manda um relatório da Europa, onde ele está em viagem de reconhecimento. Da Holanda, as informações são realmente entusiasmadas. Entre muitas outras qualidades daquele país, sou informado também de que lá os trens que já são maravilhosos e pontuais contam com "vagões de silêncio", espaços reservados onde não é permitido usar o celular, falar, ouvir música ou fazer barulho. Ou seja, são vagões reservados ao silêncio ouve-se apenas o discreto "clact-clact" dos trilhos tranquilos do trem, especiais para facilitar o repouso quando nos movemos de um ponto a outro da Terra. O que, na minúscula Holanda, não leva muito tempo assim, é preciso aproveitá-lo ao máximo.
O espaço é o paraíso da solidão, da leitura, do descanso sem objetivo, e até mesmo do trabalho solitário no computador (desde que não se clique em nenhum vídeo do YouTube). Um lugar para pensar na vida, sem que a vida nos atrapalhe, esse paradoxo. Se no Brasil houvesse trens de passageiros, eu apoiaria uma campanha em defesa dos "vagões de silêncio". Já que eles não existem mais, só nos resta reclamar do barulho universal, na rua, nos ônibus, nas praças, nos restaurantes, nos elevadores. Como o Brasil foi um país urbanizado e civilizado pela televisão, que chegou a todos os rincões do país décadas antes da palavra escrita, a fala é a expressão brasileira por excelência e quanto mais alta e animada, melhor. Bem, não é uma exclusividade nossa. Para não dizerem que acordei antipatriota, lembro que já vi rodas de espanhóis e de italianos que seriam páreo duro em qualquer concurso de "ocupar espaço sonoro".
Mas não é só a fala: a urbanização brasileira grita também visualmente, não dando o mínimo descanso aos olhos. Exceto em casos excepcionais (como a cidade de São Paulo, proibindo outdoors, o que fez uma incrível diferença no horizonte das pessoas, que enfim conseguem ver a própria cidade), as ruas brasileiras são depredadas tanto pela pichação selvagem quanto pelo caos igualmente selvagem das placas comerciais e publicitárias que fazem do espaço público um horror de mau gosto e de agressão estética, muitas vezes destruindo ou ocultando fachadas bonitas e históricas o que percebemos imediatamente ao passear em qualquer espaço com arquitetura preservada. E a recente mania de pregar uma televisão em cada parede de restaurante juntou a poluição visual com a sonora, o desagradável com o importuno.
A cultura da oralidade odeia o silêncio. Já entrei em elevador em que até a música canalizada para os fones de ouvido do cidadão feliz era tão alta que todos os ocupantes tinham de partilhá-la aflitos, olhos nas luzinhas, torcendo para a viagem acabar logo. Na próxima reunião da confraria, no fim de julho, vou propor um voto de louvor aos vagões holandeses.
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