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Há pouco tempo acompanhei de longe uma discussão sobre se os clássicos são chatos ou não; uma professora americana fez uma lista de obras clássicas, classificando-as pelo grau de "chatice", o que é realmente muita falta de assunto. Chatice não é categoria literária, e obras literárias não são iguarias instantâneas. Clássicos são documentos sensíveis de um tempo; sua compreensão sempre depende minimamente de referências históricas e culturais.

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Pois, por falar em clássicos, desembarquei da depressão dos 7 a 1 lendo um romance que já havia dois anos me espicaçava da estante: Um conto de duas cidades, de Charles Dickens, uma bela edição da Estação Liberdade, com tradução de Débora Landsberg. Dickens (1812-1870) foi um dos mais populares escritores do seu tempo, autor de Oliver Twist, David Copperfield e a obra-prima cujo título – Grandes esperanças – é por si só uma síntese do século 19. O leitor que hoje adora a novela das 9 e se delicia com a trama do "Império" pode encontrar nos clássicos de Dickens a vitalidade da matriz dos folhetins. Um mundo de coincidências extraordinárias, vilões terríveis em meio a almas maravilhosas do bem, histórias impossíveis de amor e, sempre, "grandes esperanças". Tudo isso está nos clássicos de 150 anos atrás. O tempo se encarregou de depurá-los, diluindo a água com açúcar e nos legando, pela ficção, o espírito duradouro de um tempo e de uma cultura.

Um conto de duas cidades, publicado em capítulos em 1859, com estrondoso sucesso, é um folhetim que se passa na época da Revolução Francesa (as duas cidades são Londres e Paris). Ao mesmo tempo em que desenvolve as clássicas fórmulas folhetinescas (uma filha que enfim descobre seu pai, prisioneiro da Bastilha enfim liberada, e que se casará, sem saber, com – não, melhor não estragar o prazer do leitor interessado...), o romance apresenta um olhar agudo sobre a Revolução Francesa, contrastando a terrível guilhotina dos franceses ao moderado reformismo inglês. "Aquele foi o melhor dos tempos, foi o pior dos tempos, foi a idade da razão, a idade da insensatez", dizem as primeiras linhas do livro. E frisa o narrador: "A época – o ano de Nosso Senhor de 1775 – era tão parecida com o presente". O leitor, hoje, poderia dizer o mesmo. A denúncia que o livro faz da época do Terror, que prenunciou o relativismo moral, o totalitarismo, a fusão do Judiciário com o Executivo e as revoluções violentas do século 20, é atualíssima e cristalina.

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Curiosamente, o autor que, em obras de alto impacto emocional e enorme influência em sua época, mais denunciou o trabalho infantil escravo durante a Revolução Industrial faz de um banqueiro, o simpático Jarvis Lorry, uma figura correta e pitoresca – "Aos negócios! Aos negócios!", dizia ele, enquanto salvava o prisioneiro da Bastilha. Afinal, para um inglês, negócios eram também expressão da liberdade.

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