O capitalismo vive ciclos contínuos de construção e destruição, de prosperidade e recessão. As sementes da retração normalmente estão plantadas muitos anos antes de um evento aparentemente banal desencadear um terremoto econômico e mostrar que as fundações do sistema estavam podres. A crise mundial que eclodiu em 2008 veio após um longo período de desregulamentação dos mercados financeiros e de falta de controle governamental sobre eles. Talvez o mundo esteja semeando neste exato momento outra perigosa erva daninha. Afinal, há um movimento em todo o planeta com potencial para abalar um dos princípios do sistema: a livre concorrência.
A concentração empresarial em grandes conglomerados globais tem sido uma marca da última década e é algo sobre o qual se deve ter mais atenção. Mercados essenciais estão com cada vez menos competidores o que pode ser perigoso para consumidores e trabalhadores.
O recente anúncio da fusão entre o Pão de Açúcar e o Carrefour mostra que o Brasil tem caminhado nesse sentido. Sadia e Perdigão (no ramo da alimentação), Oi e Brasil Telecom (na telefonia), Brahma e Antarctica (na indústria de bebidas), Santander e Real, e Unibanco e Itaú (bancos) são exemplos nacionais da tendência de se fundir empresas já grandes para se criar megacompanhias.
A justificativa normalmente utilizada é de que empresas maiores têm mais condições de competir por mercados globais. E, como elas passam a vender mais, aumentam a escala e podem baixar os preços para os consumidores. Também teriam condições de negociar com os fornecedores valores mais baixos dos insumos que seriam repassados aos consumidores.
Mas essa é apenas uma das faces das fusões e aquisições corporativas. Como todo poder concentrado, também há o risco de abusos: a elevação de preços, a imposição de condições inviáveis aos pequenos fornecedores e as demissões em massa. Caso não haja uma vigilância permanente sobre essas ameaças e leis adequadas, a única garantia de que o risco não se concretizará é o compromisso ético da nova empresa com a sociedade o que é pouco.
Por isso talvez seja interessante voltar um pouco no tempo para ver o que a história tem a dizer. Se a crise das hipotecas americanas de 2008 pode ser comparada ao crash da Bolsa de Nova York em 1929, as megafusões corporativas dos tempos atuais podem encontrar paralelo num fato histórico que ficou conhecido como o Império dos Trustes.
Na segunda metade do século 19, a economia norte-americana estava muito concentrada e havia empresas gigantescas que dominavam quase todo o mercado de produtos e serviços essenciais, como as ferrovias e o petróleo. Elas ditavam as regras que queriam. Era algo péssimo para a sociedade.
Foi desse estado de coisas que surgiu, em 1890, a Lei Sherman a primeira a garantir a concorrência e a limitar a concentração econômica. É possível dizer que essa legislação foi uma das bases institucionais do vertiginoso crescimento dos EUA que ocorreria nas décadas seguintes. Assim como 1929 ajudou a evitar algo pior em 2008, 1890 também pode servir de lição.