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Se os políticos do país fizessem terapia, talvez descobrissem sofrer de algum distúrbio de percepção. Dois conceitos da Psicologia – dissonância cognitiva e esquema mental – podem ajudar a explicar por que, passados dois meses do auge dos históricos protestos que levaram milhões de brasileiros às ruas, expressiva parcela dos dirigentes do país ainda não entendeu (ou não quer compreender) o que as manifestações pediam.

A dissonância cognitiva é o estado psicológico que surge quando duas percepções de mundo – uma nova e outra antiga – se chocam. No extremo, provoca apego irracional à crença anterior. Parece ser o que ocorreu com uma parte dos dirigentes brasileiros que, certos de que têm o melhor projeto para a nação, insistem em dizer que a insatisfação popular foi fruto do sucesso do país. Outros políticos parecem ter convicção de que os protestos não foram contra eles. Obviamente, a negação das evidências provoca paralisia. Se tudo está bem ou se o problema não é comigo, nada precisa mudar.

Já o esquema mental é um padrão de pensamento construído a partir da repetição de experiências. Ele conduz a um comportamento determinado para obter resultados esperados. É uma forma de compreender o mundo e enfrentar as situações rotineiras. Mas, quando uma nova informação contradiz sua lógica, o esquema precisa ser alterado. Há o risco, porém, de a contradição ser ignorada ou esquecida. O modelo transforma-se, então, em uma camisa de força para o raciocínio.

O clamor das ruas foi uma nova e importante informação na vida pública. Obrigou os políticos, em um primeiro momento, a atender o que as ruas pediam. Passagens de ônibus baixaram, o projeto de lei que limitava as investigações do MP foi derrubado e a proposta que torna a corrupção crime hediondo passou na Câmara. Também houve uma série de promessas para investir em transporte público, saúde e educação. Havia a esperança de que a compreensão das autoridades sobre os anseios populares ia mudar e, juntamente com ela, também haveria um novo comportamento dos políticos.

Mas o correr dos dias parece demonstrar que o espírito dos protestos vem sendo ignorado. E que as autoridades ainda estão amarradas a um antigo esquema mental que consiste em dar pequenas satisfações à opinião pública até que ela se "acalme", para logo depois tudo voltar a ser como antes. A pressa em responder às ruas foi substituída em pouco tempo por um recesso ilegal no Congresso, pelo escândalo do uso de aviões oficiais para viagens pessoais, pela aprovação da obrigatoriedade do pagamento das emendas parlamentares e por programas feitos às pressas que prometem muito e entregam pouco – caso do Mais Médicos. Definitivamente, eles ainda não entenderam nada.

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