Eventos tão díspares como a primavera árabe e a pressão de ONGs internacionais contra o desmatamento da Amazônia podem ter uma mesma causa? Se o pensador canadense Marshall McLuhan (1911-1980) estivesse vivo, talvez afirmasse que sim. E, quem sabe, fosse além. Diria que são acontecimentos possíveis devido à revolução digital.
McLuhan, cujo centenário de nascimento foi comemorado no último dia 21, desenvolveu a teoria de que os meios de comunicação, independentemente das mensagens, têm o poder de mudar a forma como o homem pensa e se relaciona com o mundo. Assim, a própria organização social seria resultado da mídia de seu tempo. McLuhan dizia ainda que as atuais tecnologias da informação estão abrindo as portas de um novo grande ciclo histórico uma revolução que pode ter implicações políticas tão amplas como o aprofundamento da democracia e o enfraquecimento do Estado-Nação.
Para McLuhan, o Estado moderno é consequência da tipografia de Gutenberg, um invento do século 15. A fácil reprodução do conhecimento permitiu a realização dos projetos nacionais. A palavra impressa nos livros a "primeira máquina de ensinar", na expressão de McLuhan uniu comunidades de dialetos assemelhados, fragmentadas politicamente, sob o manto simbólico de uma mesma língua-mãe, padronizada nas gramáticas. Essas comunidades tornavam-se, assim, um único povo, submetido a um governo centralizado e regido por leis escritas.
Esse Estado, inicialmente absolutista, logo teve de se abrir. As pessoas passaram a ter acesso a mais informação, por meio de impressos. Diversos autores apontam que a democracia, nesse sentido, é "filha" da imprensa de Gutenberg.
Mas tecnologias como o rádio, a televisão e o telefone mudam novamente a forma como o homem se comunica. E a revolução digital da internet amplifica ainda mais as potencialidades de conexões humanas. A informação se pulveriza fato que tende a resultar num aprofundamento da democracia (onde ela já existe) ou em sua adoção (onde inexiste). Os protestos da primavera árabe, agendados pelas redes sociais on-line, parecem corroborar esse entendimento.
McLuhan ainda observava que as novas mídias têm o poder de recriar, numa escala planetária, as condições de comunicação das tribos primitivas, iletradas, nas quais só existia a comunicação oral e todos podiam falar com todos. Seria a "retribalização" humana, a emergência de uma aldeia global.
Talvez essa comunidade mundial nunca venha a existir. Mas já é possível falar em diversas "tribos" digitais que, passando por cima de nacionalidades e fronteiras, se articulam em torno de interesses comuns transnacionais: ecologia, pacifismo, direitos humanos. Essa força centrípeta fragmenta a soberania do Estado-Nação. O peso político de entidades internacionais ou supranacionais, tais como algumas ONGs e a ONU, é indício dessa tendência.
Na semana passada abordei as implicações psicossociais das novas mídias. O artigo poder ser acessado em www.gazetadopovo.com.br/colunistas, clicando em Fernando Martins.
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