Quando ocorre de um líder ou alguém admirado revelar-se na verdade um falso moralista que não segue o que prega, existe uma tendência de haver um questionamento não somente de seu comportamento. Os princípios que defendia também podem ser postos em xeque independentemente de sua validade em si. Esse é o preço da decepção: a revolta contra tudo o que a pessoa representa.
A dinâmica é semelhante com os países. A ameaça de os EUA darem o calote em seus credores é um momento-chave de quebra de confiança no cenário internacional. O agravamento da crise mundial, momentaneamente evitado, era apenas um dos riscos, o mais imediato. O impasse acerca dos limites da dívida pública ainda fraturou uma das pilastras que sustentam a liderança moral americana sobre a comunidade de nações, a credibilidade econômica. O risco é de que, junto, sejam abalados também os valores que o país sempre simbolizou: a democracia e a liberdade.
Os EUA sempre se enxergaram como um farol para as demais nações. E exerceram esse papel em momentos cruciais. Inspiraram os movimentos de independência na América Latina. Foram decisivos nas duas guerras mundiais como defensores do mundo livre. E ainda implodiram o totalitarismo comunista.
Muitas vezes, porém, misturaram princípios políticos louváveis com interesses comerciais nada nobres o que já vinha minando a autoridade do país. Mas a dinâmica interna dos EUA, plural e democrática, servia de freio e possibilitava a correção de rumos. Em grande medida, para atender a um interesse nacional caro aos americanos: os seus valores.
A crise do calote, porém, mostrou que os EUA podem cometer um atentado contra si e contra o planeta devido à mesquinhez de seus políticos. O país perdeu credibilidade ao caminhar perigosamente no abismo da irresponsabilidade econômica aquilo que criticava nos outros.
A Europa Ocidental, outro polo da defesa da democracia, tampouco tem servido de exemplo, em meio ao mesmo risco de calote. As dificuldades econômicas estão levando ainda o Velho Continente a abandonar a defesa da tolerância para se fechar em si, numa onda xenófoba.
Assim, a crise econômica caminha para se transformar numa crise dos valores ocidentais. Em um cenário no qual emergem países ditatoriais, existe uma ameaça latente à democracia em função do vácuo de liderança moral.
Será preciso maturidade para distinguir o que é hipocrisia e o que são princípios políticos que valem por si. Ou as nações correm o risco de cometer o mesmo erro de tantos adolescentes que trilham jornadas autodestrutivas ao descobrir que os pais são falíveis e que o mundo não é perfeito.
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