O nome de verdade daquela igreja ali no bairro Bigorrilho, em Curitiba, ninguém lembra mais. Nossa Senhora das Dores, algo assim. Dor mesmo, hoje em dia, só a do padre. Nome de anjo, Gabriel, sobrenome que beira a graça, Figura. E é uma figura mesmo. Fala para um como se fizesse sermão para centenas. Há dez anos assumiu a Igreja dos Passarinhos, em Curitiba. Desde que foi colocado no posto, fez questão de manter a tradição de décadas de um dos templos católicos mais conhecidos de Curitiba. No passado, dezenas de pássaros ficavam soltos dentro da igreja, numa cantoria que dava gosto. Tinha até tucano. Mas chegaram os tempos em que o politicamente correto deixou de ser laico e deu seus pitacos também na ninharada católica da capital paranaense. Para não contrariar a lei, as aves exóticas deram espaço para apenas alguns canários dentro de gaiolas penduradas no altar. E é aí que começa a história.

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Era sábado, por volta de meio-dia, quando o padre e a secretária saíram para almoçar. O templo ficou só, na paz de Deus, de portas abertas, como sempre. E lá se deixa porta de igreja fechada de dia? O que seriam dos parentes dos internados de um hospital próximo? Onde fariam as orações pelos seus entes queridos? Foram só vinte minutos para alguém ir até o altar, subir na cadeira e roubar uma das gaiolas – a do meio – que abrigava um canário belga alaranjado. "Nunca se viu canto tão lindo", diz o padre. "Os dois companheiros dele até que são afinadinhos, mas nada que se compare. E agora, sem o laranjinha, estão numa tristeza que só vendo". Para quem violou a casa de Deus e infringiu o sétimo mandamento, o padre responde com o perdão do Pai Nosso. O religioso diz que perdoa quem roubou o canarinho, só pede que cuide bem para que ao menos o canto seja preservado, mesmo que longe da Igreja dos Passarinhos.

Se fosse novidade isso de roubar bicho com asa da igreja, ainda vá lá. Mas já está virando hábito. Há seis meses foi um papagaio que era frequentador assíduo das aulas de catequese da paróquia. Só descia da árvore na hora que a criançada lia o evangelho. Pagava carona nas palavras, causando um misto de risadas e comoção cristã. "É que tem gente que é supersticiosa e pensa que se levar embora um bicho que é da igreja, vai ter sorte em casa", arrisca o padre enquanto joga milho para um galo que fica ao lado da sacristia. "Este aí é o Crispim. Namora uma galinha que está chocando lá atrás". Quando nascem os pintinhos, tem fila de gente querendo levar para casa, tradição que já se arrasta há várias ninhadas. Talvez esta tenha sido a salvação do casal de galos da Igreja dos Passarinhos, arrisco meu palpite. Os pintinhos suprem o desejo de alguns de ter em casa um bichinho de estimação supostamente sacro. Assim livram os pais deste roubo que atenta contra a santidade de um templo.

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O padre já pensa em chavear a porta da igreja, até mesmo de dia, quando for obrigado a sair. Os passarinhos, os últimos dois que sobraram – no passado livres para voar fora e dentro do templo – agora ficarão presos. Presos duas vezes nas gaiolas trancadas na casa de Deus.

Luiz Andrioli é escritor e jornalista

www.luizandrioli.com

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Fernando Martins, titular deste espaço às quartas-feiras, volta a escrever na próxima semana.

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