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Se as pedras da Rua XV falassem, talvez abrissem a boca maldita para praguejar. Ou tecessem lamúrias. Afinal, aceitam caladas o pisotear diário de milhares de pedestres. E ainda enfrentam a indiferença dos nativos, insensíveis ao não perceberem como elas trabalham juntas para nos ofertar mosaicos de pinhas e pinhões genuinamente curitibanos – um deleite para os olhos mais atentos.

Porém, nem tudo são flores na Rua das Flores. As pequeninas têm imperfeições. Há de se reconhecer: são lisas quando chove. Mas, com o perdão do trocadilho, atire a primeira pedra quem não tem defeitos. A elas não se costuma conceder o direito à tolerância. Basta o escorregão de um caminhante desavisado para que virem vítima de impropérios e ingratidão. Até campanha para removê-las já tiveram de enfrentar. Pura injustiça. Ainda assim, elas aguentam firmes já há quatro décadas. E, mesmo tendo motivos para imprecar, aposto que as pedras da Rua XV esqueceriam a mágoa se virassem gente no próximo domingo. Fariam sim uma grande festa para comemorar os 40 anos do primeiro calçadão do país. E quem sabe, inspirando-se em Caetano, reivindicassem a si o título de mais perfeita tradução de Curitiba.

A Rua das Flores sintetiza afinal a capital das araucárias. O calçadão é o grande ponto de encontro do curitibano. Para vender e comprar. Conversar. Fofocar. Namorar. Passear. Protestar. Discursar. Ou simplesmente passar. Nele se esbarram personagens folclóricos da cidade e anônimos de todos os cantos, cores e classes sociais. É verdade que a XV já foi mais elitista, frequentada pelos endinheirados. Concentrava renomados magazines e butiques. Mas o calçadão assistiu impotente ao encastelamento das grifes no conforto dos shoppings. E hoje a Rua das Flores está mais popular. Tal qual Curitiba e o próprio país, que ainda tentam entender o fenômeno da nova classe média. Nisso, a XV é um microcosmo da capital.

À sombra dos prédios antigos e modernos, a Rua das Flores sintetiza ainda as glórias de nosso passado e as aflições do presente. O calçadão foi, afinal, uma ideia futurista. Quando a prefeitura fechou a XV para o tráfego de automóveis, naquele 20 de maio de 1972, antecipava o futuro. Numa época que começava a adorar o deus-carro, Curitiba ia na direção oposta. Punha o homem no centro de todas as coisas. Reservava um espaço privilegiado ao pedestre e, consequentemente, ao encontro.

Com o calçadão, a capital lançou-se ao pioneirismo urbano que a marcaria. Quatro décadas depois, o hu­­manismo curitibano está em crise. Altares à deidade motorizada são erguidos todos os dias. Fechar uma via para os carros virou sacrilégio. Se as pedras da Rua XV falassem, iriam reclamar e apontar o paradoxo curitibano: o futuro ficou no passado.

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