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Como a frota de Curitiba vai duplicar em dez anos, os congestionamentos permanecem em pauta. A­pro­veitando um deles, na Avenida Cândido de Abreu, sentido Vila Piroquinha-Centro, Natureza Morta, a bordo de sua potente Brasília 87, ficou dando tratos à bola. Se a fila não anda, a mente pode dar um passeio salutar.

Primeiro, lembrou do mais monumental e brilhante congestionamento do mundo. O congestionamento provocado por Federico Fellini em Roma, filme de 1972. Depois de Amarcord e Fellini 8 e Meio, ele tratou de reinventar suas memórias. E montou nos estúdios da Cinecittá "o" congestionamento. Filmou as pessoas presas, lembrando, como disse um crítico, animais enjaulados, sob apreciação.

A partir disso, Federico mergulha nas coisas que marcaram sua vida. Aos 18 anos ele tinha saído da pequena cidade litorânea de Rimini e ido para Roma. Eram tempos do fascismo, o que permite outra leitura da sequência inicial, no caso as pessoas imobilizadas por Mussolini.

Sobre Federico, Natureza lembrou ainda que muitos escreviam (ou diziam) Frederico. Aliás, saiu até no The New York Times: "O consagrador diretor Frederico (sic) Fellini"...

Mas uma cena, agora na calçada próxima, roubou a atenção de Natureza: dois técnicos utilizavam um pequeno aparelho montado sobre um tripé. Dúvida: como é mesmo o nome desse treco? Fração de segundos depois, puxando pela memória, já que seus alfarrábios ficaram na mansão da Vila Piroquinha, matou a charada auto-imposta:

– Teodolito!

Certíssimo. E há uma variedade de teodolitos, para levantamento topográfico e trabalhos de Astronomia. No primeiro caso, imaginou: o pessoal está preparando, quem sabe, a ampliação da avenida... Até lá, porém, haja paciência para tantos enroscos. Ou genialidade felliniana para "decodificá-los"...

Passo à frente, mentalmente, é claro, já que fisicamente era impossível mover o carro, Natu­reza decolou novamente. Ainda existe barbatana para colocar na gola de camisa social? Não veio resposta, mas, quem sabe pela imagem de um pescoço ornado pela gola de camisa domingueira, recordou dos tempos da censura (oficial) no Brasil.

Roma foi lançado com a marca da tesoura. O beleguim ou preposto de plantão decidiu cortar – não o congestionamento – mas o desfile de moda. É, moda, moda eclesiástica. Como assinalou outro crítico, foram mais realistas do que o general, ou, no caso, o Papa.

Anos depois, devolveram ao filme a parte mutilada, um dos grandes momentos, com refinado brilho na sátira.

Fellini nasceu em 1920, morreu em 1993. Chegou a exercer o jornalis­­mo (o coitado tinha diploma? – per­­guntaria Beronha), na revista hu­­morística Marc Aurelio. Era também grande desenhista e caricaturista. Aliás, fazia esboços de seus per­sonagens, retratos que ganhariam vida, figuras bufas, patéticas, trá­­gicas, a própria essência do ser hu­mano e em suas múltiplas facetas.

Ao contar sua experiência, veio a sugestão do Beronha:

– A prefeitura deve instalar urgente drive in nas áreas de congestionamento.

Francisco Camargo é jornalista.

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