| Foto: Foto: Antonio More / Arte: Felipe Lima

Neste fim de semana, grupos de consciência negra estarão a toda na capital. Vão fazer arte para protestar contra o feriado negado de 20 de novembro. Em passagem pela Praça Osório, um dos points, repare num jovem alto e retinto, a bordo de um turbante nem laranja nem rosa. Salmão? Ele se chama Diorlei Santos, tem 24 anos, é secundarista e pai de Sol Maria. Batuca pra caramba e dança como um deus Zulu. Comeu o pão. A quem lhe pergunta da vida, manda com voz rascante: "Fui salvo pela cultura". Eis a história.

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Assim falando, parece o repeteco de um discurso eivado de correção. Lembra o que diz Harold Bloom, ao reprovar, com ganas, a mania de creditar um papel redentor à arte, como se ela existisse para nos pôr nos trilhos, quando na verdade está para tirá-los. Mas vamos lá – essa é a verdade de Diorlei, o "Chocolate".

Ele tinha 9 anos quando deixou uma carta em cima do carrinho de picolé que usava para ganhar uns trocos. Na mensagem de "mal traçadas linhas", pedia à mãe, Sidarcina, a Cida, que devolvesse o equipamento ao dono. E se despedia, sem afagos. Dizia-se cansado dos catiripapos. Iria morar na rua. Não estava brincando. Em poucos dias, não só tinha decorado o vocabulário das "bancas" (gangues), como achou a sua turma, a turma do bairro Portão.

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Numa das incursões por território alheio – o Passeio Público –, viu sua foto num desses cartazes de poste: "Procura-se". Rasgou o papel em picadinhos e seguiu adiante. Estava no auge de uma aventura, não queria mais viver sob espartilhos. O que se seguiu foi variação para um tema. Formou sua família de marquise, conheceu as drogas, ganhou cicatrizes. Se bem fez as contas, somou sete passagens pela Delegacia do Adolescente Infrator.

Na última vez, quando tinha 14 anos, provou da feijoada completa: viu-se diante do juiz, da mãe, do tio e do irmão. Dessa vez, dona Cida não quis levá-lo para casa – antes, concordou com a autoridade que o filho deveria ficar 90 dias no local. "Entendi que nem ela me queria mais. Acho que ali começou uma mudança..." Ou mais ou menos isso.

Cumprida a medida socioeducativa, mandaram-no para uma instituição em Almirante Tamandaré. Chegou "de boa" – quem sabe se emendasse, saindo de novo para vender dolés. Dos sete cigarros diários que recebia dos educadores, fumava dois e vendia cinco, para fazer seu pé de meia. O dinheiro, guardava para comprar roupas. "Eu era um neguinho de pé no chão", lembra.

Não foi dessa vez. Houve rebelião, fuga, o diabo, com o saldo de Diorlei de novo nas praças, à disposição das melhores iguarias da região. "Por pouco não tive uma overdose." Decidiu que ia tentar outra vez mais – e tinha de ser na Chácara dos Meninos de Quatro Pinheiros, em Mandirituba, onde, azar, tinha queimado o filme. Sua sorte foi o lema da instituição: "Os meninos desistem da chácara, mas a chácara não desiste dos meninos". O ano, 2004.

Feito um penitente medieval, passava o dia na lida, entregue a uma granja. Impôs para si o rigor de um desses executivos de transnacionais servidos com batatas na obra de Costa-Gravas. Não podia dar bobeira. Previa cada passo. Cada conversa. Cada companhia. Germanicamente. Mas não conseguiu calcular todos os acasos, como o da professora que jurava ser Diorlei "bom de dança". Sem nunca ter arrastado os pés num salão, de repente se viu em ensaios no Teatro Guaíra e, milagre, conquistando o quarto lugar no concurso Beleza dos Palmares. A imaginação no poder, enfim.

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O guri não parou mais de sacolejar – maculelê, samba de roda, jongo, capoeira. Fundou um grupo, o Alabi, com a piazada de Mandirituba. É fato que teve recaídas – fez suas concessões ao pagode, em sua fase mais "mauricinho", roupa de grife e tal, mas nada que um assalto não resolvesse. Explico. Já morando perto da mãe, em Quatro Barras, teve a casa roubada. Sobrou pouca coisa no armário à moda Alexandre Pires. Deu início à operação "desapega". Viu que estaria melhor trajando peças afro, com as quais costuma causar impressão. "Tem quem levante o vidro do carro ao me ver de turbante." A propósito, ele dispensa gracinhas.

Evangélico de formação, decidiu encarar a umbanda e bater cartão no Núcleo Negro, do qual fala com a fleuma de um Luther King. Ainda não jogou búzios para saber de seu orixá. "Ogum?" Vai devagar. Prefere repetir o mantra – a dança revelou o que ele, sem brincadeira, não sabia: que é negro. Que houve senzala. Que isso lhe diz respeito. Peça-lhe que tire o turbante – e verá a imensa juba black power que cultiva. São suas asas.

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