| Foto: Foto: Antonio Costa - Arte: Felipe Lima

Em janeiro deste ano, um mui amigo do marroquino Mostafá Chakiri, 42 anos, lhe garantiu que comprar uma loja "tipo" armarinhos, na Travessa Tobias de Macedo, Centro de Curitiba, seria um ne­­gócio das arábias. Seria. Depois de cofiar a barba e acender um cigarro, Chakiri sacou os reais e estampou na fachada "Casa­­blanca Doces", numa homenagem à cidade onde nasceu. Play it again, Sam.

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Não se sabe ao certo, mas a ver­­dade é que o forasteiro amarelou. Seria mais fácil nevar no Saara do que fazer concorrência aos atacadistas de guloseimas da Pedro Ivo e imediações, campeoníssimos no abastecimento de açúcares para a população. Me­­lhor seria vender kaftas e outras iguarias do Islã, no que vem se saindo muito bem, obrigado.

São nada menos do que 400 churrasquinhos por dia, a R$ 1 cada, mas cujo maior lucro é propagar o "Espetinho do Mostafá", como o estabelecimento ficou conhecido no Centro Velho, on­­de é só sucesso. Contra tudo e contra todos. As instalações são tão acanhadas que o banheiro fica no telhado. Para ter um aparte com o Miguel, é preciso subir uma escadinha em caracol, projetada para quem tem menos de 50 quilos e não mais de 1,60 metro. Tortura. Mesmo assim, o WC é dos mais concorridos.

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Não é tudo. Caso alguém ainda não tenha ligado o nome à pessoa, o Centro Velho não se resume à praça onde impera nossa catedral. Naquelas bandas do Velho Oeste, cruzam-se endiabradas Riachuelos, São Fran­­ciscos e travessas como a Tobias de Macedo, justo onde Mostafá veio parar, direto das terras quentes. Ele sentiu algo mais do que um choque térmico.

Mas longe do forasteiro falar mal da freguesia, mesmo tendo diante dos olhos, do outro lado da rua, uma mulher queimando crack no meio da tarde. O pessoal da redondeza é apenas "meio particular", e do Casablanca para dentro não importa como ganha seu pão ou sua conversa mole depois de se afogar nos conhaques – outra especialidade da casa.

Mostafá de fato não tinha muitos dados sobre a as atividades econômicas e culturais da região. Assustou-se, mas não atra­­vessou o Atlântico para ficar de manha. Chegou aqui por causa da uma história de amor – o resto é lucro. Dá gosto ouvi-la. O marroquino conheceu Márcia em Copa­­ca­­bana, nos anos 90. Mas teve de retornar para a Áfri­­ca. Em 2001, sem saber se ela estava solteira, voltou na louca. Ligou para amada de um telefone público. E foram felizes para sempre.

A turma sabe da paixão das mil e uma noites, o que faz da bra­­sileira a felizarda do pedaço. Não bastasse, seu Omar Sharif é um lorde no meio da noia. No Marrocos, era professor de in­­glês. Por razões de estado, foi alfabetizado em árabe e em francês. Como estudou espanhol e seu português é lascado, domina cinco idiomas com a mesma facilidade com que se vira para a Me­­ca. Não estranhe se alguém gritar da calçada: "Aí, Musta, como é que fala caipirinha nessas línguas tudo aí?"

Meses atrás, as glórias de Mostafá – o estrangeiro que po­­de atender as moças da Oliveira Belo em francês, se quiser – chegaram aos ouvidos do professor de inglês e italiano Luiz Carlos Vieira. Ele entrou para comprar cigarro e hoje tem mesa cativa. Quando falta o garçom, vai à luta. Já virou ombro amigo da clientela. "São pessoas de verdade", desmancha-se.

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Mas bem que parece ficção. Quem chega, vê Mostafá e os rolmops, seu irmão Buchaib assando espetinhos para abastecer a humanidade, a bela Márcia no caixa, Luiz na lida e as mesas apinhadas de gente que passou pela vida vendo a lua na sarjeta. Tudo isso com trilha sonora: "Hotel Califórnia", com The Eagles, toca sem descanso. Tem aquele trecho "this could be Heaven or this could be Hell" ("pode ser o paraíso ou pode ser o inferno"). O sujeito que passou o ponto para Mostafá mal podia imaginar. Ainda bem que Musta pôs na parede um amuleto contra olho-gordo. Chama Al aïn. Saravá.

José Carlos Fernandes é jornalista.