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 | Felipe Lima
| Foto: Felipe Lima

É hora de trocar de agenda. Isto, claro, é uma regra só aplicável a quem usa agenda. Eu não uso. Uso cadernos, que adoro. Eles não têm a data em cada página, mas a gente se acostuma.

Pela quantidade de agendas que se vê nas papelarias, muita gente é adepta delas. O que deve ser uma qualidade: pessoas "agendadas" provavelmente não perdem os compromissos, chegam na hora certa, pagam as contas em dia.

Particularmente, vejo uma grande utilidade para as agendas: se usadas adequadamente, elas nos tranqüilizam porque mostram que todos nossos compromissos e tarefas, mais cedo ou mais tarde, se tornam irrelevantes. Funciona assim: você anota diariamente as tarefas importantes que tem que tocar. Todas: comprar óleo para as dobradiças das portas; encontrar uma oficina para dar um jeito nos amassadinhos da carroceria do automóvel; telefonar ao Alfredo e pedir a furadeira de volta; falar com o gerente do banco. E assim vai. Não anote coisas irrelevantes. Só devem entrar na agenda aquelas que têm alguma importância, que só te deixarão em paz quando estiverem resolvidas.

Daqui a um ano, pegue a super agenda e guarde-a, do jeito que estiver, com papeizinhos onde anotou telefones e recibos e cartões de visita servindo de marca-páginas.

Daqui a dois anos, quando o Brasil estiver se preparando para a posse do sucessor de Lula, você vai arranjar um tempinho para folhear a Grande Agenda. Quer apostar que todas as páginas estarão cobertas com irrelevâncias? Que todas as tarefas importantes parecerão tolas e desimportantes? Talvez nem lembre mais do Alfredo ou não saiba mais que amassadinhos na lataria do carro eram aqueles. Ou seja, agendas envelhecem mal. Cadernos são mais sábios que agendas. Ignoram essa convenção útil, mas cruel e burra que é o calendário.

O burro do calendário agora está nos dizendo que o ano vai acabar. Faremos festa, soltaremos foguetes, nos abraçaremos quando der meia-noite. Tudo isso sem refletir muito. Porque se refletirmos vamos nos perguntar: mas o que vai mudar mesmo? Nada. Quando acordarmos no dia primeiro, veremos que é um novo dia após um dia que acabou, mais um na seqüência que começou quando a Terra surgiu. Para nós, é um dia tão importante quanto todos os outros. Poderíamos comemorar qualquer data: 13 de março, 27 de abril, 19 de agosto...

A barulheira da mudança de ano tem um quê de artificialismo. O réveillon dos australianos, que vemos na tevê no começo da tarde do dia 31, causa um certo embaraço. Deixa patente que vamos festejar uma convenção e não um fato real (afinal, como é que o tempo pode ter mudado para alguns de nós e não para outros?). O Natal tem uma história e uma mensagem que se pode adotar, mas o tal réveillon...

Pelo menos tem uma coisa bonita nessa história: a palavra francesa réveillon – que traduzo como "despertemos". Quem sabe despertemos para um dia com menos calendários e menos agendas de irrelevâncias? E o que será da festa, da champanhe e dos fogos? Ficam para qualquer outra data em que a gente acorde disposto a comemorar.

Marleth Silva é jornalista.

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