Meu filho sofreu a primeira perda amorosa logo depois de ter completado dois anos de idade. Desde que nasceu, manteve uma proximidade afetiva muito grande com a babá, que dedicava imenso afeto a ele. Muitas vezes, surpreendíamos os dois brincando, e era como se eles tivessem a mesma idade. Karine bagunçava toda a casa em suas brincadeiras, fazendo o papel de irmãzinha. É que tivemos dois filhos únicos, pois a diferença de 12 anos entre eles se fez algo intransponível.
Na hora em que Karine chegava, ele identificava os barulhos do portão e gritava euforicamente o nome dela, pronunciando apenas uma das sílabas.
Nê.
A primeira reação de Antônio era correr, escondendo-se. A sua timidez, hereditária, não lhe permite um contato espontâneo no início. Mas minutos depois, os dois andavam pela casa como crianças num jardim de infância. Podíamos sair sem receio, pois a Nê assumia o comando de nosso filho, dando-nos algumas horas de folga. Foram quase dois anos assim, e isso fez com que víssemos Karine um pouco como filha, participando de seus problemas e de suas alegrias.
Ela logo se tornou a número um no afeto de Antônio e isso nos dava uma segurança muito grande. Tínhamos alguém para ficar com ele, nós que vivemos tão isolados de nossas famílias, dependendo totalmente de quem nos presta serviço.
Duas semanas atrás, ficamos felizes ao saber que Karine arrumou um emprego melhor. Mas tudo foi rápido demais, ela começaria no dia seguinte. Então veio o medo. Como Antônio reagiria? Agora sabemos que foi uma orfandade que ele sofreu, tão intensa a relação entre eles.
No primeiro dia, ele não mencionou o nome de sua amiguinha. Passou uma semana e nenhuma referência. Continuou em sua vida normal, como se nunca tivesse conhecido Karine, numa demonstração de controle afetivo que nos impressionou. Não falamos nela neste período, ajudando-o a superar a situação. Ele não ficou nem mais triste nem mais alegre. Continuou com as mesmas manias. Evita o banho. Brinca com os brinquedos de sempre agora sozinho, mas eventualmente nos convoca para auxiliá-lo, puxando-nos pela mão. Enfim, não percebemos alteração em seu comportamento.
No sábado seguinte, Karine disse que queria nos visitar para matar as saudades do bebê. Chegou na hora do almoço, e ele fez de conta que não a reconheceu. Daquele afeto que o deixava de olhos brilhantes sobrou apenas uma dureza, um olhar frio. Fizemos de tudo para demovê-lo desta postura, mas ele não quis ir para o colo dela.
Karine saiu triste, e nós acabamos constrangidos. O que teria acontecido com ele em apenas uma semana? Nosso filho amadureceu tanto assim que pode dispensar uma pessoa que era a sua referencia diária? Já não se tratava mais de timidez inicial, mas de um processo de apagamento do outro. Confesso que tive vontade de chorar. Por que nosso filho agia assim?
Com o afastamento da babá, decidimos não forçar outro vínculo afetivo para ele. Era melhor dar início a sua vida escolar. Mas as aulas estavam suspensas por causa da gripe. Um temor a mais. A gripe. Não seria muito arriscado mandar um menino de 2 anos para a escola num período em que a gripe suína fazia tantas vítimas? No final, preferimos confiar nos desígnios superiores e matricular o Antônio.
Juliana comprou o uniforme e uma mochila do tamanho dele. No primeiro dia de aula, eu quis ir junto. Mas a pedagogia recomenda apenas uma pessoa, que vai acompanhar a criança no período de adaptação. Juliana ficou nas imediações da sala o tempo todo, voltando quando ele sentia falta da mãe. Seu comportamento ainda é individualista, pouco se relaciona com a turma, mas devora a comida com uma voracidade que não se manifesta em casa. Como chega cansado por ter saído de seu habitat, tem dormido mais e melhor, dando-nos um pouco de descanso durante as noites.
A escola ainda o assusta, mas ele não desenvolveu nenhuma aversão a ela, tanto que toda tarde aceita alegremente vestir o uniforme. Está certo que são aulas ainda reduzidas, pois ele não fica lá o tempo todo. E a mãe esta ali, na distância máxima de um choro. Enquanto isso, outras crianças se aproximam dele, mexendo nas coisas com as quais ele brinca, empurrando-o ao passar etc., criando enfim uma desordem em sua rotina.
Além do uniforme, Antônio ganhou roupas novas, pois ele está crescendo. Juliana o veste agora com peças que fazem com que se pareça com um adulto. Calca jeans, camisas de manga comprida, sapatênis. Aos domingos, tem ido ao café comigo e todos se admiram com o fato de ele gostar de café expresso amargo, fazendo cara de satisfação depois de provar da bebida forte. Sim, aos dois anos de idade, ele toma café e faz questão de segurar sozinho a xícara, apesar do peso. Ela pende de seus dedinhos, mesmo eu bebendo boa parte do conteúdo antes de lhe passar o recipiente.
Em meio aos homens que freqüentam o café naquele horário, ele deve se sentir um adulto em miniatura. Mas assim que casa gosta de dormir no sofá da sala. Neste fim de semana, ele se levantou de um desses sonos matinais meio acordado meio dormindo. Ouviu um barulho no portão e gritou euforicamente pela Nê. Mas era uma amiga de nossa filha. Ele então voltou a dormir pesadamente, como se não tivesse acontecido nada.
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