Manfredo Schiebler, o amigo que partiu para o outro lado| Foto:
No início da década de 1950, os equilibristas alemães – conhecidos como Zugspitz Artisten – se apresentaram pela primeira vez em Curitiba, na Praça Santos Andrade
Museu Paranaense, frequência obrigatória da turminha da Rua Buenos Aires
Colégio Belmiro César, na Avenida Vicente Machado, onde conheci Manfredo Schiebler
Na exposição de uma ossada de baleia em 1953, na Praça Tiradentes. Manfredo fotografou os irmãos Edmundo e Geraldo Domacoski, tendo ao centro este colunista
Universidade do Paraná em foto noturna de 1940. Da coletânea Ewaldo Schiebler, tio do Manfredo
Eis a primeira foto que tirei. Foi em 1948, numa festa do Aeroclube do Bacacheri. A câmera, uma
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O leitor, ao seguir o texto, entenderá a razão do título. Corria o último quarto do ano de 1947, o escriba aqui tinha então 11 anos de idade e entrava no preparatório para o exame da admissão ao ginásio. Colégio Belmiro César, antiga Escola Americana, na Avenida Vicente Machado. A piazada ia se conhecendo, cujos pais e avós faziam parte da miscelânea de raças que escolheram Curitiba para viver. Conhecendo e convivendo. A guerra tinha acabado na Europa dois anos antes. Árabes, judeus, polacos, ingleses, italianos, alemães e mais um sem-número de outras origens faziam parte daquela montoeira de crianças. A única coisa que valia tinha uma denominação: infância!Sob a direção do professor Luiz César, que também era pastor da Igreja Anglicana, a gurizadinha era instruída para enfrentar o porvir. Antes do início das aulas, o mestre fazia uma oração – sempre com um apelo moral de bem viver. Apesar de longa a preleção, a turma aguentava e, ao final, concordava, com um sonoro "Amém!"

No meio daquele magote barulhento, dois piás encetaram uma amizade que duraria 64 anos. Um deles neto de alemães; o outro, com avós italianos e polacos. O alemãozinho era Schiebler por parte de pai; a mãe, Hatschback; e o seu nome, Manfredo – o qual ostentava orgulhosamente, pois sabia que na Alemanha tinha um xará ilustre: o Manfred, filho do general Von Rommel, o famoso Raposa do Deserto. O segundo era o degas aqui.

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Contar a vivência dessa amizade não caberia de maneira alguma nesta página. As estripulias, peraltices e outras aprontações, inerentes à idade, vamos deixar de lado, pois merecem mais as páginas de um livro. O que mais ligou os dois amigos foi o conhecimento que o Manfredo Schiebler possuía sobre fotografia e filmagem, apesar da pouca idade. No laboratório fotográfico montado pelo seu tio, o professor Ewaldo Schiebler, foi onde dei os primeiros passos na magia de revelar imagens.

Mesmo depois de nos afastarmos da escola, continuamos a conviver aventuras. Uma visita quase que diária era feita ao Museu Paranaense. Era a reunião vespertina com os amigos da primeira quadra da Rua Buenos Aires. Havia também a frequência ao boteco do George, um alemão foragido da guerra, cuja mulher, loira e bonita, era cortejada por muito marmanjo. Esse gringo tinha uma pensão junto ao boteco, que ele chamava de Bar Bámbuz, em alusão à decoração com taquaras. Na dita pensão morava uma bela moça que resolveu namorar os dois amigos.

O tal jogo amoroso entusiasmava os dois púberes, que se achavam os tais. Yolanda era o nome da moça, quase menina. Os papos eram no ambiente do Bámbuz – geralmente à tarde, pois assim que escurecia a Yolanda sumia. Segundo os comentários, ela ia para o trabalho. Não demorou muito para aquela adoração ir por água abaixo. A dupla descobriu que a pudica namorada trabalhava na casa de tolerância da Dinorá, que ficava atrás do Colégio Santa Maria.

A decepção não apagou o entusiasmo da dupla. Em dezembro de 1953, o Paraná comemorou o seu Centenário, e o governo montou a Exposição Internacional do Café, no Bairro do Taruman. Entre as atrações constavam um teatro e uma boate. Para o teatro foram contratados artistas do Rio de Janeiro, alguns do cinema chanchada, junto com várias vedetes do teatro rebolado carioca. Quando menos se espera estavam lá os dois, metidos a repórteres, com uma parafernália de iluminação e maquinário fotográfico e de filmagem. Impressionaram tanto que todas as noites estavam presentes na exposição. A maioria das vedetes era hóspede do Hotel Bahia, na Rua Comendador Araújo. O negócio foi longe, só terminou em março de 1954 quando acabou a Exposição do Centenário.

As aventuras acabaram com o surgimento do dente de siso. O Manfredo Schiebler formou-se em Odontologia e seguiu a profissão, casou e teve sua prole. A minha parte ficou com o que aprendi com ele. Em 1958 comecei a profissão de repórter fotográfico aqui na Gazeta do Povo. O Mani, como era seu apelido caseiro, quando soube do meu trabalho em cima de fotografias antigas, entregou ao meu cuidado a espetacular coletânea de negativos que seu tio Ewaldo fotografara.

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O amigo velho, daqueles que se conta nos dedos e de uma única mão, se foi. Manfredo Schiebler morreu no dia 5 deste mês. Ficará na lembrança dos que privaram da sua alegre amizade. A minha está sendo transferida para as páginas de um livro, onde o Mani será um personagem destacado. Adeus velho amigo, irmão e camarada!