Terminou na madrugada desta terça-feira (26) a rebelião na Penitenciária Estadual de Cascavel (PEC). Com um saldo de 5 mortos e 25 feridos, o motim durou aproximadamente 45 horas e foi dado como finalizado às 3h40, depois que o último dos dois agentes penitenciários feitos reféns foi liberado pelos presos. A liberação aconteceu quando o último comboio de detentos incluídos no acordo de transferência deixou o local.
A Secretaria Estadual de Justiça, Cidadania e Direitos Humanos (Seju) informou que um total de 851 detentos foram transferidos da unidade, sendo que 143 das transferências foram efetuadas no domingo e 708 durante noite de segunda (25) e a madrugada desta terça. A unidade prisional que tem capacidade para abrigar 1.116 condenados estava com 1.040 presos quando a rebelião começou. As realocações foram realizadas em viaturas, ônibus e carros fechados do Departamento de Execuções Penais (Depen-PR) e os presos foram levados para penitenciárias em Foz do Iguaçu, Guarapuava, Francisco Beltrão, Cruzeiro do Oeste, Maringá e Piraquara, na região metropolitana de Curitiba.
O diretor do Departamento de Execuções Penais (Depen-PR), Cezinando Paredes, - que fala pela Seju sobre a rebelião - estima que perto de 200 presos não foram transferidos e ocupam agora as galerias da unidade que não foram danificadas durante a revolta. Das 24 galerias, 20 tiveram danos. Juntos, os espaços intactos têm capacidade para 144 pessoas. Contudo, o número dos que permaneceram na penitenciária será confirmado ao longo do dia, pois a secretaria não descarta a possibilidade de fuga pelo sistema de esgoto do local. Ele informa que uma equipe de engenharia da Seju irá analisar os estragos provocados pelos presos. "Ainda não sabemos o quanto em termos financeiros foi o estrago", afirmou.
Paredes contou que a negociação com os rebelados foi difícil, pois não havia um motivo específico para o motim. "A gente tentou negociar com eles e optamos por transferir os detentos para as cidades próximas de onde moram seus familiares", explicou. Entre os motivos alegados pelos presos estavam a má qualidade da comida, abuso na revista das visitas, maus tratos e más condições físicas da Penitenciária. O diretor do Depen afirma que toda denúncia relacionada a maus tratos ou má qualidade de alimentação é analisada por comissões específicas. "Se for constatada irregularidade, serão abertas sindicâncias para apurar e punir o agente penitenciário que provocou agressão, por exemplo", ressalta Paredes.
Em relação à estrutura da unidade prisional, ele afirma que o espaço é seguro. "Posso falar desde janeiro, quando ocupo o cargo, e é um espaço que dá segurança e boas condições de trabalho", diz. Segundo ele, não há abusos nas visitas. "Temos uma portaria no estado do Paraná que regula a revista. Não há revista em menores de idade. Evitamos revista vexatória e não permitimos qualquer tipo de abuso", afirma Paredes.
Outro fator não descartado pelo diretor do Depen é de que os líderes do motim tenham agido em nome de facções criminosas, como o Primeiro Comando da Capital (PCC). "Realmente temos informações de que pessoas ligadas a essa facção lideraram a rebelião", conta.
A titular da Seju, Maria Tereza Uille Gomes, não falará com a imprensa sobre a rebelião em Cascavel.
Superlotação
Com a transferência dos detentos para outras penitenciárias, Paredes afirmou que essas unidades prisionais ficaram "além da capacidade" e que serão realizados mutirões carcerários para revisar a pena dos presos alocados nos presídios com o objetivo de reduzir o número de internos.
"Não havia vagas sobrando no sistema penitenciário. É normal que algumas unidades ficaram um pouco acima da capacidade", afirmou o diretor do Depen. O retorno dos presos à Penitenciária Estadual de Cascavel dependerá do tempo que será necessário para a reforma da unidade. Ainda não há um prazo estimado.
Ele também afirmou que serão abertas investigações para apurar os principais líderes da rebelião. Também será investigado se houve uma possível facilitação por parte de agentes penitenciários para o início do motim. Todos, segundo a Seju, serão punidos com o rigor da lei.
Vistorias
Outras vistorias serão realizadas durante esta terça-feira para analisar os estragos causados na unidade. Se for constatada a chance de que algumas celas sejam rapidamente recuperadas como apenas com limpeza, por exemplo parte dos presos que foram transferidos podem voltar à Penitenciária Estadual de Cascavel.
Durante cerca de uma hora desta segunda, das 20 às 21 horas, as transferências chegaram a ser suspensas pela PM por "questão de segurança". O fato gerou protesto dos presos, que queimaram colchões e fizeram gestos em protesto para demonstrar que estavam insatisfeitos com o "descumprimento do acordo". O transporte de presos foi reiniciado às 21 horas e a situação voltou a ficar como estava antes da interrupção.
A secretaria, por meio de sua assessoria de imprensa, disse também que a Polícia Militar iniciou nesta manhã uma nova operação e buscas por outros possíveis corpos e feridos que podem não ter sido encontrados nas primeiras vistorias, iniciadas logo após o fim da rebelião.
Mortos e feridos
Dos cinco mortos durante a rebelião, pelo menos dois deles foram decapitados. De acordo com a Seju, por volta das 7h15 desta terça-feira (26) os corpos permaneciam no interior da Penitenciária Estadual de Cascavel porque as perícias ainda eram realizadas neste período. Contudo, viaturas do Instituto Médico Legal (IML) do município já aguardavam pela liberação para transporte.
Nenhum dos assassinados havia sido identificado até o momento. Contudo, em entrevista à rádio CBN Cascavel na segunda-feira, o preso Alessandro Meneghel disse que as vítimas fatais são estupradores e um deles é Gilmar de Lima - condenado por ter matado sua enteada, a menina Rafaela Trates, de apenas cinco anos.
Os feridos que somaram 25, sem contar os dois reféns foram socorridos pelo Siate. Oito deles, que tiveram ferimentos mais graves, foram encaminhados a hospitais da região. Os demais foram atendidos no local e liberados em seguida.
Quanto aos dois agentes penitenciários feitos reféns, a secretaria informou que eles foram liberados com várias escoriações pelo corpo. Eles foram levados a um hospital em Cascavel, onde passam por tratamentos físicos e psicológicos. A Seju não soube informar para quais hospitais os detentos e os reféns foram levados.
"A questão de que há desaparecidos é fato. Mas, se morreram ou fugiram é preciso esperar os trabalhos de vistoria terminarem", disse o defensor público Marcelo Diniz.
Início do motim
A rebelião teve início por volta das 6h30 do domingo (24), no momento em que um agente começou a entregar café da manhã aos detentos. Boa parte dos rebelados, que usavam capuzes para esconder os rostos, estava concentrada no telhado da penitenciária. E também usavam identificações do Primeiro Comando da Capital (PCC), facção criminosa que domina presídios em vários estados do país. O Sindicato dos Agentes Penitenciários do Paraná (Sindarspen) informou que 10 agentes estavam tomando conta dos mais de mil presos da unidade em Cascavel. O diretor do Depen, Cezinando Paredes, disse que o número de agentes era próximo de 15. "O que aconteceu é que durante a entrega do café, dois agentes foram feitos reféns", comenta.
Pelo menos cinco presos foram atirados do teto do presídio. Eles caíram de uma altura de cerca de 15 metros e permaneceram no chão por cerca de três horas até as equipes de resgate do Corpo de Bombeiros e da Polícia Militar conseguirem entrar no pátio em segurança. Ainda no domingo saiu a confirmação e quatro presos assassinados. Várias pessoas foram espancadas pelos detentos e mostradas para quem acompanhava a rebelião pelo lado de fora.
Também no primeiro dia do motim, cerca de 145 presos que não aderiram à rebelião, e eram ameaçados pelos rebelados, foram transferidos, sendo que 77 deles foram para a Penitenciária Industrial de Cascavel (PIC), que fica no mesmo complexo que a Penitenciária Estadual. O restante foi encaminhado para a Penitenciária de Francisco Beltrão.
Durante a rebelião, galerias foram incendiadas. Colchões usados pelos detentos também foram queimados. Já na noite de domingo, a luz e a água da unidade penitenciária foram cortadas para forçar uma negociação.
A Seju informou que cerca de 60% da penitenciária chegou a ser tomada pelos presos.
Comissão considerou presídio o pior do estado
Os fatores que levaram presos da Penitenciária Estadual de Cascavel a se amotinarem na rebelião mais sangrenta dos últimos quatros anos no estado não são novidade. Eles já haviam sido detalhados em 2012 pela seção paranaense da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-PR). Na ocasião, o presídio foi considerado a pior unidade penal do estado.
Entre os principais problemas relatados pela Ordem estavam falhas estruturais "seríssimas" como celas sem manutenção e infiltração , falta de agentes penitenciários e alimentação estragada e insuficiente. Outro ponto detectado era a falta de condições à ressocialização: menos de 10% dos detentos trabalhavam e não havia acesso adequado a assistência jurídica e médica.
"É uma tragédia anunciada", resume a advogada Isabel Kügler Mendes, que presidia a Comissão de Direitos Humanos da OAB-PR na época das vistorias. "Não foi uma briga entre facções. A motivação [da rebelião] foi que aquilo [a PEC] é uma panela de pressão", completa.
Além disso, os detentos denunciavam torturas e punições coletivas e excessos cometidos por agentes penitenciários durante as revistas íntimas, para que familiares pudessem visitar os presos. A Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa confirmou que, nos últimos dois anos, os casos de violência contra os internos continuaram.
"A PEC já tem um histórico de tortura. No último ano, tivemos pelo menos três presos mortos por agressão no presídio. Tem vários processos administrativos abertos contra agentes por causa de abusos", diz o presidente da comissão, deputado Tadeu Veneri (PT).
"Quando uma unidade rompe o tripé alimentação, visitas e tem tortura, o sistema se desequilibra", acrescenta. Alerta O Sindicato dos Agentes Penitenciários (Sindarspen) também havia alertado quanto às condições da PEC. Vinte dias atrás quando o Departamento Penitenciário do Paraná (Depen-PR) transferiu mais de cem presos àquela unidade o sindicato denunciou "o perigo e a irresponsabilidade" de se alocarem mais detentos na PEC.
"Tanto os presos como os agentes penitenciários são vítimas do descaso e da falta de investimento público adequado no sistema penitenciário", diz o advogado do sindicato, Jairo Ferreira Filho. Em julho de 2013, os presos chegaram a enviar uma carta à presidente Dilma reclamando das condições do presídio. Para as autoridades, a rebelião de Cascavel serve de alerta à deterioração do sistema carcerário.
Há preocupação que outras unidades também consideradas em situação delicada, como a Penitenciária Central do Estado (PCE) e a Penitenciária Estadual de Foz do Iguaçu II sofram motins. "É só um aviso do que pode acontecer em outros presídios", pontua Veneri. "Já há ameaças. Temos levado ao conhecimento do Depen-PR que outras penitenciárias podem passar pela mesma situação em muito breve", afirma Isabel Kügler.
Familiares revoltados
Apreensivos e revoltados com a falta de informação sobre o que acontecia dentro da penitenciária, familiares dos presos bloquearam em protesto por três vezes a BR-277, próximo à unidade prisional. Eles reivindicaram por informações sobre a situação dos detentos, que estão rebelados.