A fiscal de trânsito Luciana Tamburini, 34, condenada a pagar uma indenização de R$ 5 mil ao juiz João Carlos de Souza Correa por ter dito que ele "não era Deus" durante uma abordagem da Operação Lei Seca no Leblon, bairro da zona sul do Rio, em 2011, comemora a mobilização popular que seu caso teve na internet. Uma "vaquinha" on-line para ajudá-la obteve mais que o dobro do valor da multa, arrecadando R$ 11.441,13 em 24 horas.

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Na tarde desta quarta-feira (5), Luciana disse à reportagem que espera não precisar usar o recurso da vaquinha.

Ainda nesta semana, ela vai entrar com recurso no STJ (Superior Tribunal de Justiça) para reverter a multa. Desde fevereiro, Tamburini está licenciada do Detran do Rio, onde trabalhou por cinco anos na fiscalização de trânsito.

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Aprovada em um concurso da Polícia Federal, ela espera pela nomeação para mudar de endereço e trocar o Rio pelo extremo norte do país, na cidade de Oiapoque, no Amapá.

A ação em que o desembargador José Carlos Paes arbitrou a multa de R$ 5 mil foi aberta por Tamburini. A decisão a tomou de surpresa. "Eu já esperava não ganhar o processo, mas daí a ter de pagar indenização, isso eu não esperava", disse. A reportagem procurou o juiz e o desembargador responsável pela decisão, mas, segundo a assessoria do Tribunal de Justiça do Rio, eles não iriam se manifestar sobre o caso. "Fiquei indignada quando li aquele acórdão porque parece que o desembargador nem leu os autos. Tem muita coisa ali que não bate com o que está no processo. No primeiro tópico, em que ele diz 'ele (o juiz) realmente estava irregular, mas você abusou de autoridade', isso é revoltante.

Todo mundo se sentiu como eu naquela hora, como cidadão. Não vale para todo mundo? Que democracia é essa?", diz Luciana.

Ela conta que casos de "carteirada", quando alguém advoga privilégios em seu favor em função de cargo ou posição que ocupa, acontecem "todos os dias". "Todo dia tem, de todo tipo de gente. Mas geralmente as pessoas se acalmam, veem que não vai adiantar a carteirada, acaba por isso mesmo", afirma.

SINDICÂNCIAO incidente de 2011, porém, teve consequências sérias, que renderam dor de cabeça a Tamburini. A fiscal de trânsito conta que sofreu perseguição principalmente em uma sindicância interna sobre o caso aberta pelo próprio Detran. A pressão sobre a investigação a levou a ingressar com ação contra o juiz por danos morais - exatamente esta em que foi condenada a pagar os R$ 5 mil.

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"A sindicância no Detran durou nove meses. Ele e a esposa dele iam lá toda hora, eles estavam pressionando muito. Até para não me prejudicar, me resguardar, eu entrei também [com uma ação]. Já a representação que eu fiz contra ele no TJ foi arquivada no mesmo dia, na corregedoria", reclama.

O clima de perseguição e o embate com o juiz preocuparam Tamburini e a família dela. "Minha mãe ficou um pouco assustada, não queria me deixar sozinha de casa. Mas quando a gente faz o que é certo não tem porque ter medo", afirma.

"VAQUINHA" ON-LINEA campanha on-line para arrecadar o valor da multa aplicada à fiscal foi organizada pela advogada Flavia Penido, 45, de São Paulo. Ela diz que não conhecia a história de Luciana, mas ficou incomodada com o teor da decisão judicial. "Achei um horror. E fiquei ainda mais incrédula quando li o acórdão" disse a advogada.

Segundo ela, a entrega do dinheiro deverá ser feita em um evento público. O rateio on-line vai até 22 de dezembro. "Eu vejo essa ação não só como uma forma de dar apoio financeiro, mas também para dar apoio à atitude da Luciana. Lutar contra esse tipo de atitude não é fácil, ter recebido a decisão do TJ deve ter sido muito difícil. Estamos pensando em lançar uma campanha 'não à carteirada', mas isso ainda está bastante incipiente", afirmou Flavia.

Apesar da campanha a seu favor, Luciana ainda não conversou com a advogada. "Ainda não falei com ela, ela fala com minha irmã pelo Twitter. Achei muito legal a iniciativa dela. Não porque me ajuda, mas porque mostra que a sociedade quer mudar isso, quer um Brasil melhor para todo mundo", disse.

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O CASOA blitz que gerou o incidente aconteceu em 12 de fevereiro de 2011. Na ocasião, Luciana verificou que o juiz não estava com sua carteira de habilitação e que seu veículo não tinha placas e nem documentos. Assim, o carro do magistrado foi rebocado.

Ele se identificou como juiz e a fiscal interpretou o gesto como uma tentativa de "carteirada". Em resposta, a agente disse que ele era "juiz, mas não Deus" e ele deu voz de prisão a ela. Luciana se negou a ir à delegacia em veículo da Polícia Militar.

No julgamento do recurso, foi mantida a pena porque houve o entendimento de que ela abusou do poder e ofendeu o réu e "a função que ele representa para a sociedade".

Hoje aguardando a nomeação na Polícia Federal, Luciana diz querer ser delegada. Outras carreiras jurídicas como a magistratura não interessam, diz ela. "Aí não, quero ser delegada, juiz não é para mim."

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