Para além das polêmicas sobre a legalização ou não de aplicativos que prestam serviços concorrentes ao dos taxistas, uma discussão que costuma ficar para um segundo momento já tem atingido mercados como o de Nova York, São Paulo e agora chegou a Curitiba. Motoristas do Uber identificaram o surgimento de empresários que estão formando frotas de veículos para trabalhar com o aplicativo na capital paranaense. A estratégia é criticada por profissionais que estão na linha de frente das discussões para a regulamentação do aplicativo na cidade. Taxistas, por exemplo, podem ter até dois funcionários, mas por decreto precisam dirigir pelo menos 30% do período de operação do veículo. Por lei, cada pessoa pode ter apenas uma permissão.
Segundo motoristas ouvidos pela Gazeta do Povo, esses empresários já têm seis veículos rodando com o aplicativo na cidade e pretendem ampliar em dez vezes essa quantidade até o final deste ano. Em cada carro, trabalham três motoristas que recebem salário fixo ao invés de porcentagens pela corrida.
Em nota, a futura Associação dos Motoristas do Uber de Curitiba (esse ainda não é um nome oficial) disse ser contra qualquer iniciativa neste sentido. “Acreditamos que com a criação de frotas estaremos caindo na mesma falha do sistema de taxis com os donos de placas, onde parceiros serão explorados pelos proprietários dos veículos. Entendemos que a iniciativa do parceiro se cadastrar deve ser pessoal e livre de quaisquer “amarras” de terceiros”, disse o texto.
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Leia a matéria completaA empresa norte-americana, porém, parece não se importar muito com o assunto. Há, inclusive, parcerias com locadoras. No mês passado, Uber e Litfty celebraram em Los Angeles uma parceria com a locadora Hertz. Em grupos de discussões de motoristas do Uber de Curitiba, eles relatam que há locadoras na cidade dando desconto para quem quiser trabalhar com o transporte individual de passageiros. Há relatos preços especiais para o mês (R$ 1,3 mil) e até para fins de semana (R$ 90 os dois dias).
A única restrição da Uber tem sido com os carros com placas vermelhas. Passageiros de São Paulo e Rio de Janeiro já relataram que chamaram um Uber e foram surpreendidos com um taxi. Diante dessas notícias, publicadas em jornais como Folha de S.Paulo e O Globo, a Uber passou a recusar o cadastro desses veículos. Em resposta ao jornal paulista, a empresa informou que o taxista deverá cadastrar um carro com placa cinza se quiser ser parceiro dela.
Procurada para comentar o assunto, a Uber não respondeu aos e-mails encaminhados pela Gazeta do Povo até o fechamento desta reportagem. Contudo, a empresa procurou o jornal após a publicação do texto e informou que, depois dos critérios para incluir o motorista, a única barreira inicial de entrada para trabalhar é ter acesso a um carro – não necessariamente ser proprietário de um veículo. Sendo assim, não há impedimentos para que o motorista alugue um carro ou estabeleça algum tipo de parceria com o proprietário.
“Nós acreditamos que a plataforma pode ser inclusiva, permitindo que todos que querem uma oportunidade de gerar renda (desde que passando por todos os processos de ativação) tenham uma oportunidade. Exatamente este motorista profissional, que não tem recursos para comprar um carro, é o que mais precisa de mais oportunidades para ganhar dinheiro”, diz a Uber em comunicado. No entendimento da empresa, parceiros que disponibilizam veículos para outros motoristas estabelecem uma prática que é positiva para todos os lados. “Nós somos a favor do direito e liberdade de escolha de cada um”, resume.
Associação
Um grupo de 15 motoristas do Uber de Curitiba se uniu para discutir, além da formação de frotas, outras questões que envolvem o serviço que eles prestam na cidade. Juntos, eles somam mais 13 mil viagens realizadas com o Uber. No final de junho, eles publicaram no Facebook que pretendem criar formalmente uma associação para tratar de assuntos como segurança, diálogo com a Uber, melhores valores na compra de insumos, assessoria jurídica, contábil e financeira e formação de pontos na cidade. Segundo os responsáveis pelo projeto, já há cerca de 250 pré-inscritos, a sede já está definida e o estatuto está quase concluído.
Participação
Motoristas parceiros do Uber em Curitiba e interessados em participar da associação que está sendo montada podem mandar um e-mail para ampacuritiba@gmail.com
Curitiba não é a primeira a contar com iniciativas de associativismo por parte de motoristas do Uber. Por ver a Uber refutar qualquer menção a vínculo trabalhista, essas discussões têm sido cada vez mais comuns em todo o mundo. No último mês de abril, por exemplo, processos trabalhistas renderam um acordo de U$$ 100 milhões a favor dos trabalhadores. No último mês de maio, o jornal The New York Times noticiou que a Uber chegou a um acordo com a Associação Internacional dos Maquinistas e Trabalhadores Aeroespaciais para criar uma associação de motoristas parceiros da empresa. Por trás dessa decisão, segundo a publicação norte-americana, está uma tentativa de a empresa minimizar essas discussões.
São Paulo também entrou nessa discussão. Em abril, um grupo de motoristas formou na capital paulista a Associação dos Motoristas Autônomos por Aplicativos (AMAA). Apesar de ter surgida em um momento de explosão da oferta de carros prestando esse tipo de serviço, Paulo Acras, presidente da entidade, tem se posicionado sempre em um tom crítico às políticas adotadas pela Uber. Ele é economista, trabalhou seis meses com o aplicativo e defende o reconhecimento da relação trabalhista entre Uber e parceiros. Os motoristas de Curitiba por trás da associação preferiram não comentar. “Achamos que o serviço ainda é muito recente em Curitiba para se pensar nesses assuntos”, disseram em nota.
Associações são comuns entre taxistas
A ideia de motoristas se unirem em torno de associações é algo bem comum entre taxistas. A Rádio Taxi Faixa Vermelha, por exemplo, é uma delas. Em torno delas, geralmente, há os serviços de rádio táxi e os aplicativos legais usados para intermediar a chamada pelo carro. O representante do setor comercial da Faixa Vermelha, Eduardo Fernandes, 35, explica que o taxista participa da associação como em uma empresa.
“Ouvimos de muitos taxistas que a rádio táxi é muito cara. Mas isso não é verdade. Ele [o taxista] entra aqui como um sócio. E isso implica em dividir os custos. Temos mais de 60 funcionários, pagamos energia, água. Aqui é uma empresa como outra qualquer.”
Fernandes aproveitou a oportunidade para criticar a atuação de aplicativos não regulamentados. “Existem vários aplicativos não regulamentados. O Uber é um deles. É importante ressaltar para a população que ela utilize apenas o transporte regulamentado, que é mais seguro e ela tem a quem recorrer”.
O “comércio” de táxi
Donos de licenças de táxis, aliás, não podem ter frotas. Cada CPF pode ter apenas uma placa cadastrada. Lucrar com a venda dessas licenças também é proibido. Mas duas reportagens publicadas na Gazeta do Povo com intervalo de cinco anos entre elas – a última em 2013 – mostraram a existência de um comércio clandestino de placas, que chegam a custar R$ 200 mil, e diversos casos de permissionários que não dirigem o mínimo previsto em lei. A venda de uma permissão pública é crime. A reportagem de 2008, inclusive, mostrava casos de pessoas que usavam “laranjas” para ter mais de uma placa. Em 2013, a Urbs mudou as regras para transferência da placa: desde então, uma placa só pode ser transferida uma vez a cada 35 anos. Antes não havia limite. Em caso de transferência, há uma taxa equivalente a 3.700 quilômetros rodados, o que hoje daria R$ 9.990 – essa informação consta no site da empresa.
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O sexagenário Fernando* trabalhou como terceiro com uma placa de táxi por uma década em Curitiba. Ele não conseguiu uma das 700 placas licitadas pela Urbs entre 2013 e 2014 e, com a chegada do Uber, resolver trabalhar com o aplicativo norte-americano.
“Para quem tem carro próprio, hoje o Uber é uma solução mais viável. Os caras [permissionários] estão pedindo por aí cerca de R$ 130 a diária [para trabalhar com um táxi]. Ele disse ver irracionalidade na discussão entre taxistas e uberistas. “Chamam a gente de pirata, clandestino. Mas tenho muito mais estrada no transporte de passageiros aqui em Curitiba do que muitos que estão no táxi. Além disso, a Uber pede antecedentes criminais. Como uma pessoa com a certidão negativa pode ser chamada de bandido?”, indaga.
Hoje uberista, o ex-taxista não descarta uma volta às origens. Ele diz estar na suplência para conquistar uma placa. “Se eu conquistar esse direito, eu volto para o táxi. Os permissionários já ganharam muito dinheiro [no passado]. Hoje, com as novas placas, as corridas caíram bastante. Mas ainda vale a pena para quem tem a placa”, afirmou.
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