No caminho para o trabalho, o prefeito de Lisboa, Fernando Medina, costuma contar o número de prédios vazios pelas ruas onde passa. Graças ao turismo e ao crescimento do mercado imobiliário, vários desses imóveis estão sendo reformados e virando uma acomodação estilosa para os turistas que visitam a capital portuguesa. Se por um lado algumas cidades europeias como Berlim e Barcelona restringiram ou mesmo proibiram os alugueis de curta temporada via websites como o Aibrnb como forma de manter a oferta de imóveis para o aluguel de longa duração em alta e proteger os habitantes de visitas incômodas, de outro Lisboa está tentando facilitar a atuação desse setor. Medidas do governo local como flexibilizar o controle de aluguel e promover leilões de prédios vazios têm ajudado a sustentar um renascimento da cidade. “Essa é a primeira vez que o turismo permite que tantas pessoas participem do processo de desenvolvimento da cidade”, disse Medina. ‘Nós não deveríamos ter medo dessa nova dinâmica, não devíamos ter medo do crescimento. Pelo contrário, nós precisamos preparar a cidade para receber ainda mais turistas.”
Lisboa exige atualmente que todos os anfitriões registrem seus imóveis como disponíveis para alugueis de curta duração e permite que essas propriedades sejam alugadas por um número ilimitado de noites. Atitude bem mais liberal que a de Londres, onde o limite para a locação de curta duração é de 90 noites, e a de Amsterdã, onde o limite é de 60 noites. Ainda assim, as três cidades são bem mais convidativas ao Airbnb que Barcelona – que cessou as permissões para alugueis de curta duração em 2014 – e Berlim – que baniu esse tipo de locação em maio deste ano para aqueles imóveis que estavam sendo destinados apenas para essa finalidade.
A diferença entre Lisboa e essas cidades é que a capital ibérica precisa de visitantes. Dois anos após sair da crise financeira, o desemprego ainda atinge 12% da população economicamente ativa de Portugal e o turismo tem desempenhado um importante papel na recuperação do país.
O número de noites passadas por estrangeiros na cidade conhecida pelos seus bondes amarelos e ruas de paralelepípedo aumentou 21% em março deste ano em relação ao mesmo mês do ano passado. A lista de ofertas do Aibrnb na região metropolitana de Lisboa como um todo praticamente triplicou de tamanho desde janeiro de 2014. Esse boom está transformando os donos de imóveis em verdadeiros hoteleiros e concierges, e enchendo os cofres públicos com a taxa de 15% cobrada a cada reserva feita pelo website.
“Portugal é um dos líderes na Europa quando o assunto é a regulação da economia compartilhada”, afirmou o relações públicas do Airbnb para Espanha e Portugal, Andreu Castellano, via e-mail. Convencer outras cidades a seguirem Lisboa é crucial para o sucesso do Airbnb na Europa. Segundo as declarações que o diretor de tecnologia (CTO) do website, Nathan Blecharczyk, deu em maio em um evento em Amsterdã, a Europa gerou cerca de US$ 3 bilhões em receita para seus anfitriões em 2015 e representou mais da metade das reservas feitas no website tanto em termos de proprietários de imóveis quanto em termos de viajantes. A Comissão Europeia editou uma orientação na semana passada para que os países-membros enfrentem a colcha de retalhos que se tornou a regulação de plataformas colaborativas nos últimos tempos.
A abordagem de Lisboa para a questão está ajudando pessoas como Hugo Almeida. Há dois anos, o jovem de 34 anos se mudou com o avô para Lisboa, instalando-se em um apartamento de um quarto para turistas. Ele agora ganha mais de 10 mil euros brutos por ano alugando esse espaço para visitantes, quase a mesma coisa que ele ganhava como açougueiro – emprego que ele largou para aprender o ofício de eletricista. Quando terminar os estudos, Almeida acredita que provavelmente vai trabalhar na reforma de apartamentos destinados aos turistas.
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Leia a matéria completaEspeculação e barulho
Esse boom tem a sua parcela de críticas também. Alguns moradores locais reclamam da subida de preços ocorrida em seus bairros e também do barulho que os visitantes fazem em horários impróprios. “Ninguém liga para os moradores, eles [os proprietários] querem só dinheiro”, reclamou Jose Alves, um dos últimos residentes originais de um prédio no pé do morro do Castelo de São Jorge que ficou valorizado para os alugueis de curta duração em razão da vista que oferece da cidade. “O senhor do segundo andar morreu há alguns dias. O filho dele vai acabar alugando o lugar para turistas ou vendendo por uma fortuna.”
Ainda assim, os ganhos da cidade com o turismo e a retomada do mercado imobiliário têm sido maiores que as perdas. Ao menos esta é a avaliação do prefeito Fernando Medina. Atualmente, o turismo corresponde a cerca de 15% do PIB interno de Portugal. Em Lisboa, o número de visitantes que passam a noite em hotéis ou outros tipos de acomodação cresceu 13% desde 2013, de acordo com o Instituto Nacional de Estatísticas de Portugal. “Esse processo gera uma série de mudanças significativas na cidade, a maioria delas é positiva”, ressalta Medina.
Segundo dados da Cushman & Wakefield em Portugal, o investimento estrangeiro no mercado imobiliário respondeu por 90% dos 2 bilhões de euros investidos no setor no país em 2015 – montante que foi o dobro registrado em 2014. Isso ajudou na especulação e os preços em algumas áreas da cidade cresceram 25% desde 2013. Por outro lado, tal característica também está ajudando Lisboa a atrair mais eventos como conferências e congressos.
O desafio será encontrar o equilíbrio entre manter a autenticidade da cidade e permitir a entrada de todo esse investimento. Essa é a opinião de Daniel Silva, um ator e modelo de 32 anos de idade que mora no centro de Lisboa. Ele tem dúvidas sobre o crescimento dos alugueis de curta duração na cidade, embora ele mesmo tenha alugado o apartamento nesses termos.
A padaria onde ele trabalha, ao menos, parece estar encontrando esse “equilíbrio”. “Nossos clientes estrangeiros, que representam mais da metade do total, acham que pagar um euro por uma torta é ridiculamente barato”, conta Silva. Ainda assim, a gerência decidiu não aumentar os preços porque isso prejudicaria os residentes locais, para quem o preço é justo. “O que será de uma cidade portuguesa sem os portugueses?”, pergunta Silva.
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