Pinellas Park, na Flórida, não é o tipo de lugar de onde se espera muita inovação em trânsito e transporte de massa. O subúrbio de Tampa vive a cultura do carro, pontuada por marcos locais como o Museu do Automóvel da Baía de Tampa e uma pista de provas de arrancada. Quem puder fugir do ônibus, o fará. Recentemente, porém, a agência que responde pela área de transporte público da região começou um novo experimento: interrompeu a circulação de duas linhas de ônibus e as substitui pelo pagamento de um punhado de corridas do Uber. No Brasil, os empresários do setor de transporte já estão preocupados com esse tipo de operação.
No início, o aplicativo se apresentava como “o motorista particular” de qualquer cidadão. Agora, a companhia e seu principal concorrente nos Estados Unidos, Lyft, estão “namorando” a ideia de ser “o motorista de ônibus” também. Uber já fechou parcerias com um punhado de agências de transporte locais, propondo acordos como este firmado no início de agosto com o órgão de Pinellas Park. Também neste mês, a Lyft planeja lançar sua primeira parceria desse tipo com a cidade de Centennial, no Colorado, em que a autoridade local vai subsidiar viagens com o app. A companhia também informou que já ajudou uma dúzia de agências de trânsito a se inscreverem para conseguir verbas federais que pagariam os subsídios à Lyft em situações em que “os motoristas pudessem, efetivamente, virar parte do sistema público de transporte.”
Os projetos em desenvolvimento no momento são pequenos, mas podem, eventualmente, ganhar escala se combinados com “algo grande”, disse a diretora de políticas de transporte da Lyft, Emily Castor. “Essa é uma área que tem potencial para ser uma parte significativa do trabalho da Lyft no futuro”, disse ela. “Com que velocidade isso irá progredir, de pequenos projetos-pilotos para algo institucionalizado em agências de trânsito? Isso é difícil de prever”, complementou.
Durante os últimos anos, as companhias de carona compartilhada e as autoridades locais têm tido um relacionamento difícil, algumas vezes hostil, no que diz respeito à regulação dessas atividades. Os acordos relacionados ao transporte público têm sido um “oásis” de reaproximação entre as duas partes. Aparentemente, esses acordos são muitos pequenos para representar uma ameaça ao transporte público. Essa é a avaliação do gerente do programa em estudos urbanos do Kinder Institute, na Rice University, Kyle Shelton. “É algo que pode afetar algumas rotas, e até mesmo o serviço como um todo, mas que não vai substituir as linhas principais que carregam milhares de usuários todos os dias.”
No passado, cidades já pagaram pelo serviço de táxi de maneira semelhante em algumas situações, mas os acordos com a Uber e a Lyft poderiam significar uma mudança maior e trazer consigo preocupações. O que acontece com pessoas que não possuem um smartphone? Como Uber a Lyft servem usuários com dificuldades de locomoção, de fala, de visão? O que acontecerá se as cidades vierem a confiar nesses apps para, em algum momento, as empresas decidirem que as parcerias não são mais interessantes para elas? Por outro lado, é mesmo intenção do Estado encorajar a substituição de empregos públicos por contratos de trabalho da chamada economia compartilhada?
Custo benefício
À medida que as autoridades enfrentam esses dilemas, é difícil ignorar a economia real provocada por esses acordos – e assim também é para Uber e Lyft, que começam a ver possibilidades de receita nessas operações. Em 2014, os norte-americanos gastaram U$$ 15 bilhões no pagamento de tarifas para as 850 agências de trânsito e transporte que compartilham seus dados com o departamento de Administração Federal de Trânsito. Os custos de operação nessas agências foi de US$ 42 bilhões, sendo que 65% disso veio de subsídios públicos.
Áreas de periferia com menos densidade populacional e menos usuários são particularmente caras, tornando os apps de carona compartilhada uma alternativa. É o que disse Adie Tomer, técnico da Polícia Metropolitana de Brookings “Se nessas áreas é possível oferecer alternativas [de transporte] para a população e fazer isso com o mesmo custo ou menor [do que com os ônibus], então essa é uma relação ganha-ganha para a sociedade”, afirmou ele. “Isso pode começar a se espalhar muito rapidamente.”
No fim de 2014, os eleitores do condado de Pinellas rejeitaram um referendo para aumentar as taxas para os custeio do sistema de ônibus, medida que poderia aumentar o número de linhas e sustentar a implantação de um sistema de trem elétrico. A Autoridade de Trânsito de Pinellas teria, então, de recuar e um plano para cortar parte das quase 50 linhas de ônibus foi feito.
Mas os moradores de Pinellas Park, uma área de classe média trabalhadora relativamente populosa, e também os de East Lake, uma área mais rica e que já teve um serviço público de vans, reclamaram que seriam afetados. Foi então que a agência de trânsito resolver dividir o custo das corridas de Uber para que nenhum usuário das rotas que seriam cortadas ficasse desassistido. No início deste ano, um projeto-piloto foi lançado: o usuário recebe 50% de desconto na corrida, com um máximo de subsídio de US$ 3 por viagem, se usar os apps para chegar ao sistema de público de transporte.
Foi então que ficou claro que em áreas que contam com poucos usuários de transporte público, subsidiar parte de corridas via apps é mais barato que a operação de linhas de ônibus. O projeto custará US$ 40 mil ao ano, ou cerca de um quarto do custo das duas linhas extintas, de acordo com a agência de Pinellas Park. O órgão se recusou a passar estatísticas sobre as viagens, mas passou a descrever o projeto como um sucesso. No dia 1.º de agosto, a agência começou a oferecer subsídios para todas as corridas feitas no condado, desde que elas tenham como destino 20 pontos de parada determinados. Além disso, no mesmo dia em que lançou essa versão expandida do projeto, a agência também implantou uma nova medida, oferecendo corridas grátis para usuários de baixa renda que precisam de transporte depois das 21h, quando o ônibus para de funcionar.
Molly Spaeth, porta-voz do Uber, disse que a companhia ficou grata por participar do projeto e que vai continuar a procurar novos caminhos para trabalhar em conjunto com as agências de trânsito.
As autoridades em Centennial, no subúrbio de Denver, vão lançar uma parceria parecida com a de Pinellas, mas com a Lyft. Será a primeira vez que as corridas do app serão pagas por recursos vindos de fundos públicos.
Ao longo do programa, Centennial vai pagar por corridas a partir de e até uma estação de trem, numa área que antes tinha um serviço de ônibus para isso. Esse serviço custa cerca de US$ 20 a corrida, segundo Cathy Noon, prefeita de Centennial, bem mais do que será pago pelas corridas com a Lyft. O projeto-piloto engloba o pagamento de 280 corridas por dia nesse esquema – cerca de seis vezes o número de viagens executadas pelo serviço de ônibus.
Bloomberg Philanthropies, um grupo de caridade fundado pelo fundador da Bloomberg LP, Michael Bloomberg, deu a cidade de Centennial um prêmio em 2014 para que a cidade aplicasse em inovações urbanas.
Quase ao mesmo tempo, o condado de Pinellas lançou o seu projeto-piloto com a Uber e Altamonte Springs, no subúrbio de Orlando, na Florida, começou a pagar 20% das corridas feitas pelo app dentro do território da cidade; e 25% das corridas com destino à estação de trem da região. Segundo as autoridades locais, é a Uber que as impede de repassar as estatísticas sobre as corridas. Ainda assim, os projetos devem crescer e abraçar as outras cidades próximas.
Verbas federais e Miami-Dade
No último mês de julho, o condado de Miami-Dade, na Flórida, se inscreveu para receber US$ 3,5 milhões de verbas federais para melhorar o transporte público, sendo que US$ 575 mil desse total devem ser usados para subsidiar corridas de Uber e Lyft para duas estações de trem. “As companhias de caronas compartilhada ainda vão amadurecer no mercado de Miami-Dade, mas dificilmente irão servir regiões com poucos moradores ou mesmo de baixa renda sem subsídio público”, justificou o condado na sua inscrição. Miami-Dade também está trabalhando para integrar o serviço das companhias ao seu próprio aplicativo de compra de bilhetes de transporte.
O curioso é que Uber e Lyft ainda não tem ´ermissão para circular na região de Miami-Dade. Carlos Cruz-Casas, diretor-assistente do departamento de transporte e serviços públicos do condado, diz que é estranho planejar o futuro da mobilidade na região ao mesmo tempo em que se discute a legalidade das companhias de carona compartilhada. “Está sendo uma relação amigável. Eles estão sendo multados [ainda], mas ao mesmo tempo estamos trabalhando juntos.”