Carro do deputado Carli Filho, que sobreviveu ao acidente: suspeita de álcool e excesso de velocidade| Foto: Fotos: João Frigerio

Para juristas, imprudência não é dolo

Considerando as duas teses dominantes no meio jurídico, entre os juristas há certa predominância daqueles que defendem a inexistência de dolo em acidentes de trânsito. De acordo com eles, o condutor causador de óbitos no trânsito – mesmo em alta velocidade e embriagado – não tem a intenção de matar. Assim, a situação do motorista que causa um acidente com morte seria diferente daqueles casos de crime com arma de fogo, por exemplo. Advogado e professor de Direito Penal da PUCPR, Joe Velo afirma que seria necessário o interesse em cometer suicídio para existir dolo. "Na maior parte dos casos, parece-me que, no íntimo, essas pessoas não são indiferentes. Quando se entra na subjetividade, é complicado provar", diz.

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Em apenas um ano, 2.077 mortos no PR

Somente no ano passado, 2.077 pessoas morreram em acidentes de trânsito no Paraná, segundo o Mapa do Crime 2008, divulgado pela Secretaria de Estado de Segurança Pública. Do total de mortes, 360 ocorreram em Curitiba – cidade que, em números absolutos, tem o trânsito mais violento do estado, seguida de Ponta Grossa (202 casos) e de São José dos Pinhais (199). Os mortos são na maioria homens com idade entre 30 e 59 anos, indica o perfil traçado pelo Detran, que contabilizou no ano passado mil mortes nos locais de acidentes (as demais ocorrem no hospital ou a caminho dele) em todo o estado.

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O que restou do carro em que estavam Gilmar Rafael Souza Yared e Carlos Murilo de Almeida, mortos no acidente
Veja alguns números sobre mortes no trânsito
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O acidente envolvendo o deputado estadual Fernando Ribas Carli Filho (PSB) reacendeu o debate sobre a punição para quem causa mortes no trânsito. De acordo com o Código de Trânsito Brasileiro, o motorista que comete homicídio culposo (sem a intenção de matar) pode ficar detido por um período que varia de dois a quatro anos. Embora o Tribunal de Justiça não tenha dados sobre o total de condenações por morte em acidentes no Paraná, juristas e especialistas em trânsito constatam: raramente o réu cumpre a pena na cadeia.

Sem antecedentes criminais ou agravantes, o tempo de detenção geralmente é cumprido em regime aberto. O sentimento de impunidade das vítimas é ainda maior quando o acidente provoca apenas lesões corporais. Não importa, para a lei, se a pessoa sofreu um arranhão ou ficou paraplégica. Como se parte do princípio de que o condutor não teve intenção de causar o ato, a pena não se baseia na gravidade das lesões.

O promotor de Justiça Cássio Honorato, especialista em trânsito, defende penas mais elevadas para motoristas responsáveis por acidentes. Ele argumenta que hoje há muitas formas de evitar a cadeia e, por esse motivo, dificilmente um condutor é preso. "Como é uma detenção e não uma reclusão, há possibilidade de fiança, regime aberto e semiaberto. Sem antecedentes, é ainda mais difícil que haja detenção ou punição", diz.

De acordo com Honorato, nos casos mais graves a punição deveria ser interpretada de uma maneira diferente da habitual. "A pessoa que dirige sem habilitação (caso do deputado, que estava com a licença cassada) sabe que está impossibilitada de dirigir, sabe que expirou o prazo de uso. Quem ingere bebida alcoólica sabe que está bêbado, quem se omite no socorro sabe que deveria ter feito alguma coisa. É diferente de quem viola uma norma de cuidado e causa um acidente no trânsito."

Intenção de matar

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Outro ponto criticado é a dificuldade de enquadrar determinados condutores na categoria de homicídio doloso, com a intenção de matar. Quando um motorista ingere álcool, dirige com excesso de velocidade e pratica rachas, por exemplo, está ciente de que pode matar alguém. Mas Honorato conta nos dedos os casos em que os condutores vão a Júri Popular. "Trabalho há 11 anos no Ministério Público e me lembro de meia dúzia de júris. Em um deles, inclusive, o motorista estava alcoolizado, atropelou três pessoas que estavam na calçada e deixou seu carro em pé em cima de um muro. Foi absolvido pelo júri, que entendeu não haver intenção."

A dificuldade está justamente em comprovar o chamado dolo eventual. Para alguns juristas, um carro dirigido por um motorista imprudente se transforma em uma arma. No caso de dirigir embriagado, assume-se o risco de ocasionar um acidente.

Presidente da Comissão de Trânsito da OAB-SP e um dos autores do Código de Trânsito Brasileiro, Cyro Vidal afirma que o problema se encontra justamente na aplicação da lei, porque o homicídio doloso pode gerar pena de 30 anos de reclusão. "Esse maluco desse deputado – andando a 190 por hora, com hálito etílico, tendo 130 pontos na carteira, várias infrações por excesso de velocidade – não sabe que esse comportamento oferece risco a outras pessoas? Onde está a consciência e responsabilidade desse parlamentar?", questiona.

O presidente da Associação Brasileira de Educação de Trânsito (Abetran), George Marques, também acha que a impunidade fortalece a imprudência. Como os motoristas sabem que dificilmente serão punidos, não respeitam as regras. A Lei Seca é um exemplo claro. "Nós a chamamos de lei da vida, mas sabemos que não é respeitada. No início, muitos motoristas foram pegos em flagrante, mas quantos são presos hoje?", questiona.

O Ministério Público de Santa Catarina recomendou, no ano passado, que os promotores catarinenses peçam a mesma punição para quem comete um assassinato e quem dirige embriagado. De acordo com o MP, é uma tentativa de coibir mortes no trânsito. Todos os casos desse tipo serão encaminhados ao Júri Popular como homicídio doloso. A ideia partiu do Centro de Apoio Operacional Criminal do órgão, com o objetivo de mostrar que não há diferença entre cometer assassinato com arma de fogo ou com veículo.

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Punições mais severas poderiam servir de lição e contribuir para a redução do número de acidentes. Sociólogo e professor da Pontifícia Universidade Católica (PUCPR), Lindomar Wessler Boneti aponta a falta de noção de coletividade como causa desses acidentes. "Uma punição mais severa pode servir de exemplo", diz. Quando esses casos envolvem pessoas de peso na sociedade – como jogadores de futebol, artistas ou políticos –, Boneti entende ser o momento de coibir essas atitudes. "Na sociedade, esses cidadãos representam a figura do ídolo, do herói, que é muito significativa. Como, em geral, a punição varia dependendo da classe ou posição, trata-se da hora exata para mostrar o que é correto", afirma.

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Interatividade

O fato de o motorista não ter a intenção de matar justifica a falta de punição?

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